As voltas das ondas

O Verão começou antes do primeiro banho. Isso nunca tinha acontecido. Mas esqueci-me logo e já não quis saber disso.

Foi só no dia do meio-Natal, 25 de Junho, que pude entregar o corpo ao mar. A cerimónia de iniciação foi breve: dois pratos de percebes, apanhados de manhã naquelas mesmas águas, uma navalheira, uma imperial e, para fortalecer, dois ovos estrelados.

Quando saí da água depois de um banho perfeito pus-me a pensar o primeiro pensamento negativo: quando tempo ia passar antes de ser destruído o efeito terapêutico do Atlântico? Quantas contrariedades seria preciso acumular?

Quando o Verão já tem barbas o efeito de um banho perde-se com o primeiro contratempo: basta as ameixas não estarem tão frescas como se queria. Mas quando se vai com oito meses de luto oceânico o primeiro banho resiste a quase tudo. Até a vir para aqui escrever isto resistiu.

Para já desavaria e regula o nosso termostato interior. Eu, por exemplo, andava a suar histrionicamente, desabituado do mais tímido calor. Mas a imersão prolongada na água fria acabou com isso tudo. Os banhos de mar são sempre refrescantes no verdadeiro sentido da palavra: é como se o nosso sangue bebesse um copo de água gelada.

Cada poro é congelado e descongelado individualmente. Toda a pele é submetida a um banho de espuma cheio de especiarias secretas do sistema solar. Até o cérebro é estimulado: foi aqui que vivemos, foi daqui que saímos, é aqui que essa lembrança antiquíssima nos é explicada, cada vez que lá voltamos.

O Verão começou antes do primeiro banho. Isso nunca tinha acontecido. Mas esqueci-me logo e já não quis saber disso.

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