A franqueza da bola

No futebol tira-se a alegria ao adversário e pode-se gritar "Toma, que já levaste!" e "embrulha!" sem qualquer censura, interna ou externa.

No futebol há uma falta de hipocrisia que é refrescante num mundo onde a hipocrisia reina. A desgraça de uma equipa e de uma claque é a euforia da equipa e da claque dos adversários. Ninguém tenta esconder a tristeza ou a alegria. Ninguém finge que tem pena que não seja possível que as duas equipas tenham ganho.

No futebol há um sadismo sincero: os que vencem até gostam de ver os melões dos vencidos. A dor do adversário é abertamente um prazer enquanto o prazer do adversário é insuportável. Pode-se estar à vontade que nenhuma criatura sentenciosa vai aparecer e dizer que como ganhámos temos a obrigação de sermos discretos, para suavizar a angústia dos apoiantes da equipa que perdeu.

No futebol nem o mau ganhar nem o mau perder são criticados. Os futebolistas depois de marcar um golo fazem concha com a mão junto ao ouvido, virado para a claque dos adversários, como quem diz "de repente ficaram muito caladinhos..."

Na vida real isto não se pode fazer. Quando nos marcam um golo na nossa baliza - cobrando-nos muito dinheiro, por exemplo - são obrigados a comentar que preferiam não fazê-lo, mas que teve de ser. É uma versão hipócrita do pai que diz ao filho que castigá-lo custa-lhe mais do que custará ao filho.

No futebol tira-se a alegria ao adversário e pode-se gritar "Toma, que já levaste!" e "embrulha!" sem qualquer censura, interna ou externa. Até depois do jogo as discussões são exuberantes e honestas, sem paninhos quentes para ninguém. E ninguém leva a mal sermos facciosos.

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