Uma só comemoração para os dias 10 e 24 de Junho

Na medida em que as figuras de D. Afonso Henriques e de Camões se completam nos dois elementos essenciais à formação de uma nação (território e língua), tal facto justifica plenamente a celebração de uma só comemoração no dia 24 de Junho.

O dia 10 de Junho, aniversário da morte de Camões, ocorrida em 1580, foi o dia escolhido pelo Estado português para comemorar Portugal, Camões e as Comunidades.

Cada país tem um dia próprio para comemorar a Nação. A par de outras razões, os países quase sempre escolheram, para o Dia da Nação, a data da sua independência. Em Portugal, desde a luta partidária entre republicanos e monárquicos, nos fins do século XIX e princípios do século XX, passando pelo Dia da Raça, já no período do Estado Novo, até ao dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, no pós 25 de Abril, nunca a escolha de Camões foi uma opção pacífica e a melhor.

Com a Batalha de S. Mamede (24.06.1128) contra a sua mãe e o galego Fernão Peres de Trava, D. Afonso Henriques iniciou a definição do território que hoje é Portugal. Território e língua são elementos essenciais de qualquer nação, com vontade de preservar a sua identidade. É Camões que afirma expressamente, nos Lusíadas, não ser a exaltação dos feitos do capitão da Índia (Vasco da Gama) a finalidade do seu canto, mas sim o louvor da Pátria, através da ilustre galeria de retratos do passado: reis e chefes militares, empenhados em engrandecer Portugal. E elevou o nosso primeiro monarca, o Fundador, às proporções de mito “cuja morte lamentam os rios e os montes da Lusitânia que ele fez reino”, e Egas Moniz, o vassalo fiel, símbolo da nobre virtude cavalheiresca da honra (cf. canto III).

Entre os séculos XIV a XVII, a Batalha de Ourique foi vista como o acontecimento mais importante, por se tratar de um facto sancionado pela visão miraculosa de Cristo. Mas, no século XIX, o historiador Alexandre Herculano restituiu à Batalha de S. Mamede o significado nacional, passando a ser o facto mais importante, por se tratar de uma ação colectiva, envolvendo a maioria dos senhores do Norte de Portugal, contra o domínio estrangeiro. Herculano chamou-lhe mesmo uma “revolução”. A mesma opinião tem o historiador José Mattoso. Daí que se considere este facto histórico como o mais adequado para a celebração do dia da Fundação de Portugal.

Ora, uma larga vista de olhos sobre o conjunto de manifestações de ordem histórica e cultural, produzidas ao longo dos tempos, não deixará de conduzir à unidade destas três realidades: Fundação, Camões e os Portugueses. Espartilhar esta realidade é negar Portugal como nação. É também por obra e graça da sublimidade e do talento desses dois homens – D. Afonso Henriques e Camões – que flui e emana o que há de intemporal e de imorredoiro nos actos da criação do espírito dos portugueses.

Como se vê, as figuras de D. Afonso Henriques e Camões completam-se nestes dois elementos: o primeiro, com o seu génio militar e diplomático deu-nos o território que temos. Por sua vez, Camões coloca como acção dos Lusíadas a história de Portugal, lançando um apelo à consciência nacional e universal, de que Guimarães e a independência de Portugal é necessariamente o primeiro capítulo.    

Assim, a comemoração simultânea da Batalha de S. Mamede e de Camões, no dia 24 de Junho, contribuiria decididamente para uma maior unidade dos portugueses em geral e para os nossos emigrantes, de um modo muito especial.

A conexão e o significado das duas datas revelam o desacerto da decisão, porquanto o dia 10 de Junho é apenas o aniversário da morte de Camões e o dia 24 de Junho é o aniversário da Batalha de S. Mamede, facto histórico que os autores consideram como sendo o da Fundação de Portugal.

A celebração dos dois aniversários na mesma data, dia 24 de Junho, para além da redução de despesas, tinha a vantagem de se conseguir uma simbiose entre Fundação de Portugal, Camões e os portugueses. O pouco interesse dos portugueses pelas festividades do dia 10 de Junho revela um sentimento generalizado da menor importância. Pelo contrário, afigura-se que a criação do feriado nacional em 24 de Junho, como acto de justiça para com D. Afonso Henriques, encontraria apoio numa larga maioria de portugueses.

Em conclusão, dir-se-á que na medida em que as figuras de D. Afonso Henriques e de Camões se completam nos dois elementos essenciais à formação de uma nação (território e língua), tal facto justifica plenamente a celebração de uma só comemoração no dia 24 de Junho.

Enquanto tal não acontece, os vimaranenses vão continuar a celebrar, sozinhos, num feriado apenas municipal, a Batalha de S. Mamede, travada em Guimarães, a 24 de Junho de 1128.

Por definição constitucional, o Presidente República (PR), além de representar a República Portuguesa, é também o garante da independência nacional e da unidade do Estado e é, por inerência, o Comandante Supremo das Forças Armadas (art. 120). Nesta perspectiva, o PR deveria presidir, anualmente,  às cerimónias do 24 de Junho, em Guimarães, no cumprimento da mais importante função de Estado.

 

 

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