Fundos europeus: o que cala a Comissão, o que não diz o Governo

O Governo Costa quando se trata de criticar um orçamento que faz da política de coesão o parente pobre das políticas europeias, parece tímido, conformado e cabisbaixo.

1. A Comissão, apesar de perguntada insistentemente, ainda não explicou nem parece capaz de explicar por que razão cortou o fundo de coesão em 45%! O Governo português, que quer anestesiar a opinião pública, também nada diz. Por isso, é absolutamente imperativo não deixar cair a pergunta: o que ditou a opção de reduzir as verbas do fundo de coesão para 45%? É que, de entre os três pilares da coesão, FEDER, Fundo Social Europeu e Fundo de Coesão, só este sofre uma amputação (e que amputação!). Nas sinergias dos três pacotes da política de coesão, o Fundo de Coesão tinha a função de equilibrar as dotações a favor dos países mais pobres, com um PIB bastante abaixo da média europeia. Ao concentrar os cortes impostos pelo Brexit neste pilar da coesão, o resultado era óbvio e só podia ser um: penalizar os países mais pobres em detrimento daqueles, como a Espanha ou a Itália, que estão bastante próximos da média europeia. É estranho que o Governo se enleie e perca justificações tecnocráticas e nunca, nem ao menos uma vez, se insurja contra esta opção política de fundo.

2. Mas há mais omissões e encobrimentos. Olhemos para o FEDER, pilar do desenvolvimento regional. Até aqui, havia as chamadas regiões pobres, abaixo de 75% da média, e as ricas, acima de 90%; no meio, ficavam as regiões de transição, precisamente entre os 75% e os 90%. Pois bem, na proposta da Comissão, o intervalo das regiões de transição é alargado até aos 100% da média europeia. Resultado: várias regiões, em especial da Espanha e da Itália, que estavam e se mantêm a mais de 90%, passam a ser regiões de transição. Mais uma vez, incentiva-se a coesão de quem está coeso, com óbvio prejuízo para as regiões mais pobres, as que estão longe da média europeia. A Comissão cala esta conveniente mudança de critério e o nosso Governo, silente, quer passar por entre os pingos da chuva.

3. Note-se que as duas medidas são convergentes nos seus efeitos: aumentar as dotações dos países mais ricos dentro do clube dos países da coesão e penalizar os países mais pobres. Cortar o fundo de coesão e classificar como regiões de transição regiões “já quase nos 100%” aumenta o fosso entre os países da coesão que estão na cauda e os que estão no topo da tabela! Eis uma sinergia negativa, que aumenta a divergência dentro da União, mas que revela que, ao nível da Comissão, há um intuito deliberado de beneficiar certos países ou certo perfil de “economias”. Este efeito conjunto origina uma terceira pergunta nua e crua: então se já se está a ajudar as economias mais desenvolvidas através do alargamento do conceito de “região de transição”, qual a necessidade de reforçar e duplicar esse efeito prevendo um corte drástico no fundo de coesão? Porquê este duplo benefício?

4. Note-se que estas duas opções políticas são livres e discricionárias, não impostas por qualquer critério anterior. A Comissão e, numa lógica incompreensível, o Governo desunham-se a explicar que a proposta apresentada está em conformidade com os critérios anteriores, designadamente com os critérios de Berlim. Ora, estas duas opções políticas fundamentais nada têm que ver com tais critérios. São opções anteriores à aplicação dos critérios pré-definidos mas que modificam totalmente os resultados a que se pode chegar. A conjugação perversa destas duas opções frustra e falseia o espírito que preside a qualquer política de coesão e convergência!

5. Importa também dizer que a Comissão e o Governo – vá lá saber-se por quê – exibem sempre o exemplo ou troféu da Andaluzia ou das regiões alemãs. Sucede que a Espanha tem todas as condições para, uma vez que está acima dos 90%, fazer a distribuição de fundos mais adequada ao seu equilíbrio interno. E a Alemanha ou a Finlândia nem se fala! Já se olharmos à Polónia, à Lituânia ou à Croácia, o caso é bem diverso. O Governo português parece impressionado com a Andaluzia, mas não se comove com a região Centro ou com a região Norte de Portugal que são tão ou ainda mais pobres. De resto, na reprogramação nacional dos fundos do quadro actual, tem feito as vezes de xerife de Nothingham, tirando às regiões mais pobres para, a um ano de eleições, dar à mais rica!  

6. O Governo Costa anda sempre com a Europa na boca e puxa os galões a propósito da reforma da zona euro. Mas quando se trata de criticar um orçamento que faz da política de coesão o parente pobre das políticas europeias, parece tímido, conformado e cabisbaixo. Não está apenas em causa Portugal, está em jogo toda uma concepção da solidariedade na Europa. Não pode aceitar-se uma proposta que sobe a Finlândia em 5% e baixa a Lituânia em 23%, que sobe a Itália em 6% e baixa a Croácia em 6%? Diante do Brexit e de novas prioridades políticas, todos aceitariam partilhar algum custo e até perder fundos. Não pode é aceitar-se um orçamento em que a política de coesão e convergência fomenta objectivamente o aumento da divergência. Há campeões do "Brexit" e vítimas do "Brexit"!

7. No Governo, parece que há quem queira que os deputados europeus do PSD estejam calados, mudos e quedos, a pretexto de que houve um acordo quanto aos fundos. Justamente porque houve um acordo, que fixa uma meta de não perda, é que temos de velar por ele. É por ele existir que o Governo não tem desculpas. O Governo devia agradecer o que o PSD tem feito no Parlamento Europeu, visando uma mudança séria da política orçamental. Infelizmente, em matéria tão decisiva, o PS (e não só) tem andado calado, estranha e demasiadamente calado. Ainda nesta semana, em Munique e publicamente, confrontamos o Comissário Oettinger com estas mesmas perguntas. E delas demos nota em pessoa à chanceler Merkel (como já havia feito Rui Rio), ao chanceler Kurz e ao primeiro-ministro Plenkovic. Com efeito, o que pode mais ajudar o esforço negocial de Portugal e de outros países de coesão? O silêncio, uma lei da rolha, ou uma estratégia parlamentar forte de pressão e de diálogo?

 

SIM. Helena Teixeira da Silva. O livro que escreveu sobre Paulo Cunha e Silva não é homenagem nem biografia nem reportagem. É um ousadíssimo acto de cultura, cartografia humana no e do tempo “gps”.

SIM. Vasco Morais Soares. Arquitecto de vocação, homem de cultura ímpar, o “afável inconformado” que amou o Porto e representava como poucos o seu espírito liberal, altruísta e cosmopolita.

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