Tóli César Machado deixou os GNR temporariamente sós para fazer um disco “menos mainstream

Passou da bateria para o acordeão, e daí para as teclas e para a guitarra. Com os GNR, a sua banda de sempre, Tóli César Machado foi-se aproximando da frente do palco. Demorou quase 40 anos a chegar a Contrário da Escuridão, o seu primeiro disco a solo.

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Tóli César Machado lançou, a 13 de Abril, o seu novo álbum a solo chamado "Contrário da Escuridão" Sérgio Aires/DR

"Um disco muito cinematográfico", inspirado na sétima arte e nas bandas sonoras que compôs para telefilmes que animavam os ecrãs nacionais no virar do século: Amo-te Teresa (2000) ou Amor Perdido (2001). Mas não um disco de "paisagens sonoras". O conjunto de canções que Tóli César Machado criou sob uma máscara translúcida — chamou-lhe Espírito — põe as palavras no centro da música. O compositor dos GNR, que assina aqui o seu primeiro projecto a solo, é lacónico: ouvir este disco "é ler". Tem a ver com a alma, com a essência, "é uma coisa mais íntima".

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"Um disco muito cinematográfico", inspirado na sétima arte e nas bandas sonoras que compôs para telefilmes que animavam os ecrãs nacionais no virar do século: Amo-te Teresa (2000) ou Amor Perdido (2001). Mas não um disco de "paisagens sonoras". O conjunto de canções que Tóli César Machado criou sob uma máscara translúcida — chamou-lhe Espírito — põe as palavras no centro da música. O compositor dos GNR, que assina aqui o seu primeiro projecto a solo, é lacónico: ouvir este disco "é ler". Tem a ver com a alma, com a essência, "é uma coisa mais íntima".

Espírito poderia ser descrito pelo que José Luís Peixoto escreveu para Marcela Freitas cantar em Contrário da escuridão, o single que dá nome ao álbum: "aquilo que sobra, aquilo que ninguém quer; um nó embaraçado, um resto de fado, um nada qualquer". "As letras são muito importantes, principalmente quando é em português", diz Tóli. Se se pudesse pensar que a música seria a única preocupação de alguém habituado a trabalhar com Rui Reininho, o compositor reponde que é ele quem sai "super valorizado por ter aqueles poemas" no disco. E os poemas são do escritor José Luís Peixoto e dos letristas Tiago Torres da Silva, Mário Alves e Jónatas Pires.

Contrário da Escuridão, o disco, celebra o espírito lusófono, é um retrato sobre diáspora e interculturalidade. Passa por terras africanas, com a colaboração da luso-moçambicana Selma Uamusse, e chega ao Brasil com Dom La Nena. Mas que também se arrisca no fado com Ricardo Ribeiro, que não é bem tradicional, "é um bocadinho mais árabe, mais cigano, sai dali do fado e abrange outras coisas". Os artistas foram escolhidos a dedo. Tóli diz que "há pessoas que não se conseguem substituir" e, "por incrível que pareça", os convites foram aceites. Atirou o barro à parede, Dom La Nena aceitou – "que sorte, não é?". Canta, toca violoncelo, guitarra eléctrica: "é uma artista completamente alternativa". Quis alguém assim, não uma Ivete Sangalo ou uma Maria Bethânia. E o convite para a artista franco-brasileira, que esteve em Portugal em 2015 para apresentar Soyo, seguiu mesmo sem Tóli a conhecer. Rui Maia, o produtor do disco, enviou-lhe a melodia, a letra, e Dom La Nena gravou em Paris. Cantou "à maneira dela com a liberdade toda e a coisa resultou".

Foi a Adolfo Luxúria Canibal, vocalista dos Mãos Morta — Tóli exagera: "o último artista que ainda não se vendeu em Portugal" — que coube azedar uma doce melodia, a de Enlouquece toda a gente, com algo "meio falado, meio pausado". Por fim, os toques essenciais das duas instrumentistas Luísa César Machado, no baixo e contrabaixo, e da violinista Ianina Khmelik, que conhece há pelo menos uma década — convidada habitual dos GNR — e com quem tem "uma química a tocar". O produtor de X-Wife e Mirror People, Rui Maia, foi "a pessoa certa para comandar este projecto". São dele os arranjos.

Na verdade, era para ser um disco instrumental mas "as coisas foram crescendo". Pôs a hipótese de um ou dois convidados e, de repente, "dois passaram para quatro e para cinco" e por aí fora. Contrário da Escuridão foi lançado há dois meses, em Abril, apesar de só agora o músico portuense ter descido a Lisboa para uma ronda promocional com os jornalistas. Mas era "um disco que já cheirava a mofo" e que, depois de uma dura batalha entre financiamentos e direitos autorais, conseguiu ter agora cá fora. O resultado agrada-o: é um álbum diferente, "menos mainstream entre aspas".

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Sérgio Aires/DR

Um compositor em duas frentes

Este projecto a solo estava planeado há cinco, seis anos. Coincidiu com o período em que estava a compor, com os GNR, o último álbum de estúdio, Caixa Negra (2015), um "voltar atrás" no qual "o Rui [Reininho] canta, o Jorge [Romão] toca o baixo" e Tóli César Machado acabou por tocar guitarra, bateria e teclados. "É engraçado porque tem ali alguns sons que são usados num e noutro mas isso é normal, estava nas duas frentes", explica. Apesar de ser um disco que não vendeu muito, a crítica gostou e o fundador dos GNR também considera Caixa Negra "um disco muito feliz", que conseguiu espelhar a essência da banda, dispensando convidados. Chamar músicos de fora pode ter um senão: "A gente pode recorrer a músicos fantásticos, mas às vezes o som fica assim meio desvirtuado". Até por isso, decidiu assumir outras funções na banda, pegando na guitarra. A certa altura, apercebeu-se que "os guitarristas convidados, não era de propósito, mas estavam de alguma maneira a estragar o som [da banda] e era mais fácil meter [a tocar guitarra] um baterista que estava lá atrás do que estar a entregar o ouro ao bandido".

A inspiração para o novo disco também veio de músicas mais antigas dos GNR, como Coimbra B do álbum Psicopátria (1986), quando assumiu a posição de compositor e produtor. Se há disco dos GNR que se tornou um clássico foi este que, tendo sido um sucesso, os pôs "na boca do povo". E foi precisamente em 2016, altura em que estava a compor para Contrário da Escuridão, que a banda revisitou Psicopátria na íntegra para celebrar os 30 anos do álbum, numa série de concertos, entre os quais no Teatro Rivoli, onde se voltaram a ouvir os acordes de Coimbra B.

Mas a carreira de Tóli César Machado não se fez só de GNR. No ano seguinte, compôs uma música, My paradise, interpretada por David Gomes para o Festival da Canção. Acredita ter "dado um tiro no pé" ao escolher uma música em inglês, que acabou classificada em penúltimo lugar. Porém, gostou da experiência, sendo "dado quase adquirido" uma nova colaboração com o jovem cantor, para quem já tem algumas canções em mente.

Com este novo álbum a solo, o objectivo era "afastar-se e nunca ser tipo um projecto paralelo" daquele que é o seu "emprego há, pelo menos, 36 anos". Mas esta não é a primeira vez que um membro dos GNR lança um projecto a solo. Em 2008, Rui Reininho lançou Companhia das Índias. Não nega que o protagonismo de Reininho possa "ter tido inconscientemente" alguma influência na vontade de criar um disco seu, mas garante que "não há ressentimento nenhum". Apesar de este disco levar apenas o seu nome, Tóli faz questão de lembrar que este é um trabalho colectivo. Para breve, está o lançamento de um novo single dos GNR, já gravado, que deverá sair daqui a um ou dois meses. Quanto ao próximo álbum, depois vão "fazendo o resto": nos dias de hoje, "isto é como os taxistas, temos de nos adaptar e habituar que a Uber existe".

Texto editado por Hugo Torres