Câmara de Oeiras alvo de buscas em investigação sobre corrupção e abuso de poder

Em causa estão alegados “crimes de tráfico de influência, corrupção passiva e activa, participação em negócio e abuso de poder”. Segundo a autarquia, as buscas são relativas ao polémico Plano de Pormenor da Margem Direita do Rio Jamor, aprovado em 2014.

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O polémico projecto foi aprovado pela autarquia em 2014 DR

A Câmara de Oeiras foi esta quarta-feira alvo de buscas no âmbito de uma investigação sobre tráfico de influência, corrupção passiva e activa, participação económica em negócio e abuso de poder, informou a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL).

Segundo uma nota divulgada no site da PGDL, “foram emitidos e cumpridos hoje [quarta-feira] mandados de busca à Câmara Municipal de Oeiras”, no distrito de Lisboa, e “não houve lugar à constituição de arguidos” durante a operação, encontrando-se o processo em segredo de justiça. “Nestas operações foram apreendidos documentos de índole contabilística e outras e mensagens de correio electrónico necessários à produção de prova”, refere a nota. 

Em comunicado, a câmara de Oeiras, presidida por Isaltino Morais, confirmou as buscas e explicou que são relativas ao polémico Plano de Pormenor da Margem Direita do Rio Jamor, aprovado pelo executivo a 15 de Abril de 2014, quando o independente Paulo Vistas presidia ao município. 

O projecto prevê a construção do empreendimento Porto Cruz, no espaço da antiga fábrica da Lusalite, na Cruz Quebrada, de uma marina, torres com 20 pisos e viadutos numa zona que é considerada o "pulmão verde" do concelho.

“Este projecto teve a sua primeira deliberação camarária no dia 11 de maio de 2004, momento em que se aprovaram os termos de referência do projecto. Em ambas as datas o actual presidente da câmara não exercia funções no município de Oeiras”, nota a autarquia no comunicado. 

Segundo o município, a única deliberação camarária envolvendo Isaltino Morais enquanto estava à frente da autarquia data de 13 de Janeiro de 2010, e é relativa “à proposta remetida pela Silcoge de celebração de contrato de execução do Plano de Pormenor do empreendimento denominado Porto Cruz – Margem Direita da Foz do Rio Jamor”.

O inquérito, que segundo o PÚBLICO apurou foi aberto há já alguns meses, está a ser dirigido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Sintra, da Comarca de Lisboa Oeste, coadjuvado pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária. 

Projecto amplamente contestado

O destino a dar àquela área começou ainda a ser discutido com mais ênfase depois das duas fábricas que ali trabalhavam terem encerrado no início do milénio e dos terrenos que ocupavam terem sido vendidos à Silcoge, do grupo imobiliário SIL. 

O projecto abrange uma área de 27,6 hectares e prevê a construção de oito edifícios, cinco outras torres e três de habitação, comércio e serviços na margem direita do rio Jamor. Entre as intervenções previstas, está a demolição da antiga fábrica Lusalite, que tem suscitado várias denúncias pela acumulação de amianto. O investimento - privado - está estimado em 250 milhões de euros.

O plano de pormenor, onde se insere o projecto Porto Cruz, foi aprovado com os votos a favor do PSD, PS e IOMAF (Isaltino Oeiras Mais à Frente), movimento pelo qual o anterior autarca, Paulo Vistas, foi eleito em 2013, e os votos contra da CDU. Na Assembleia Municipal, apenas o PSD e o IOMAF votaram a favor. O PS absteve-se e o Bloco de Esquerda, CDU e CDS votaram contra.

O independente Paulo Vistas presidiu à câmara Oeiras entre 2013 e 2017, tendo sido apoiado por Isaltino Morais, de quem tinha sido vice-presidente em mandatos anteriores. Vistas candidatou-se à autarquia, depois de Isaltino Morais ter sido detido a 24 de Abril de 2013 para cumprir dois anos de pena de prisão, por fraude fiscal e branqueamento de capitais. Um ano depois, a 24 de Junho de 2014, Isaltino Morais saiu em liberdade condicional para cumprir o resto da pena em casa.

Nas eleições autárquicas de 2017, Isaltino Morais decidiu concorrer à liderança do município contra Paulo Vistas, conquistanto a maioria absoluta.

O projecto tem sido amplamente contestado. Quem o critica, diz que a construção do Porto Cruz irá resultar na destruição da praia da Cruz Quebrada e na sua substituição por um aterro de betão, “em violação clara das regras do ordenamento do território”. E realça que o actual autarca não se pode escusar de responsabilidades.

“O assunto é tema de debate em reuniões da câmara desde 1997. Isaltino Morais foi o motor deste projecto”, disse ao PÚBLICO o presidente da associação Vamos Salvar o Jamor, criada em 2015 para se bater contra o projecto. 

Carlos Branco destaca ainda que a construção em cima da foz do Jamor, uma zona de “elevadíssimos riscos naturais”, aumentará o risco de inundação e os problemas para o trânsito local. 

Ao aprovar o plano de pormenor em 2014, “a câmara de Oeiras dá assim a mão ao dono dos terrenos, validando e promovendo uma série de ilegalidades, todas com um único fim em vista – a transformação de terrenos de tostões (sem aptidão construtiva) em terrenos de milhões (terrenos urbanos)”, notou Carlos Branco. 

Artigo actualizado às 17h19: Acrescenta informação sobre o comunicado da câmara de Oeiras

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