Truck Surf Hotel, o camião que é a casa deles (e a nossa)

Daniela Carneiro e Eduardo Ribeiro não têm casa. Ou melhor, têm um camião que a rolar na estrada parece apenas um camião, mas que é na verdade um Transformer daqueles que chegam a protagonistas de filme de acção.

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Mercedes-Benz Actros, Caminhão Surf Hotel, Hotel
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Truck Surf Hotel
Hotel Truck Surf, Mercedes-Benz Actros, Hotel
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Colchão, Coxa, Quarto
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Têm casa? “Já não”, responderam Daniela e Eduardo em coro e com direito a risada cúmplice. O recheio das suas vidas passadas está fechado algures num contentor marítimo. “Vivíamos juntos numa casa alugada em Esmoriz. Mas como estamos parados dois meses por ano... não compensa termos casa”, completa Daniela Carneiro, 34 anos (engenheira do ambiente de formação). E o recheio? “Pensámos ‘o que é que vamos fazer com as coisas’? Acabámos por comprar um contentor marítimo, pousámo-lo num terreno do meu avô e... tudo lá para dentro. Acabou”, remata Eduardo Ribeiro, 27 anos (curso profissional de barman, curso da Federação Portuguesa de Surf para ensino, curso da Associação Internacional de Kitesurf para dar aulas e cinco anos em barcos na Holanda como ajudante de capitão).

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Essa espécie de cápsula do tempo marcou o fim de uma etapa e o início da aventura Truck Surf Hotel, um camião que a rolar na estrada parece apenas um camião, mas que é um Transformer daqueles que chegam a protagonistas de filme de acção. “Conseguimos montar em meia hora”, explica Eduardo, o Macgyver de serviço. Estabiliza-se o terreno, nivela-se o camião, coloca-se as sapatas e acciona-se uma série de mecanismos que fazem brotar uma casa — normalmente à beira-mar plantada.

Estamos na praia de São Pedro de Maceda, Ovar, dia de sol quente, ondas convidativas. “Tínhamos por hábito viajar de autocaravana (Portugal, Europa, Marrocos...) porque somos surfistas e instrutores de surf. Vivemos o surf e a necessidade de explorarmos diferentes áreas e mudar de local em função das melhores ondas levou-nos a criar algo flexível e confortável para viajar que pudéssemos partilhar com outras pessoas”, descreve Daniela. Ele teve a ideia do “camião/hotel” e juntos desenvolveram o projecto a partir de um Mercedes Actros, de 19 toneladas, com uma caixa de nove metros de comprimento e quatro metros de altura (fechado) que passam a seis metros e meio aberto com a elevação do segundo andar — um efeito de matrioska que deixa bem definidos um primeiro piso todo equipado (casa de banho, chuveiro, fogão, esquentador, duas máquinas de lavar roupa, micro-ondas, tela para projecção de vídeo, ar condicionado e um alpendre) e um segundo com um corredor de acesso a cinco quartos duplos com keycard e janelas “normalmente com vista agradável” (quatro beliches e uma cama de casal).

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A única coisa que tem e que já existia é o chassis e a cabine. Trata-se de um camião francês que o casal comprou na Holanda e que decidiu importar para posteriormente ser transformado num hotel com a ajuda da Raceland, em Alfena. “Foi lá que colocámos os pontos nos ii”, recorda Eduardo, que tirou as medidas tendo como base os barcos onde trabalhou e o espaço que precisavam para uma escola de surf ambulante. “Algumas vezes nem sentimos que estamos dentro de um camião, mas em casa”, junta o casal que viaja sempre como tripulação deste Truck Surf Hotel. Quando está fechado tem as dimensões de um camião de mercadorias normal, uma unidade. Nele só viaja o condutor e um passageiro. As restantes pessoas viajam numa carrinha de nove lugares que funciona como o bote do navio. “Foi mesmo essa a nossa ideia. Até começou com a ideia de um barco, mas não há portos suficientes e o mar em Portugal é muito agressivo. Por isso, pegámos num barco e pusemos-lhe rodas”. Excluída a ideia do barco-hotel, Daniela e Eduardo aproveitaram para usar algumas técnicas de construção naval, tanto nos sistemas resistentes a vibração como na decoração utilitária por exemplo da cozinha.

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O projecto ainda não tem um ano. Mas já tem itinerários planeados, rotas, viagens por encomenda, uma época alta (entre Junho e Outubro na Costa Vicentina, entre Sines e Lagos) e outra baixa (de Dezembro a Março em Marrocos, entre Essaouira e Agadir.

“É único”, concordam. “É o mesmo estilo caravanista, mas noutra dimensão”, descreve Daniela, que sempre quis seguir as suas duas paixões: o surf e a fotografia. “Fui viajar durante sete meses pelo Hawai, México, Brasil, Indonésia... Entretanto conhecemo-nos e como viajávamos muito juntos resolvemos adoptar esta vida nómada. Todos os dias temos um cenário diferente à volta da nossa casa. É espectacular. É espectacular dormir e ouvir o som das ondas e estar sempre no meio da natureza, mudar todos os dias de sítio e sermos bem recebidos”, explica, sublinhando a missão de promoção das várias economias locais com que se cruzam e de valorização das pessoas que conhecem. “Fugimos aos sítios mais conhecidos. Tentamos ir buscar aquele senhor que faz o próprio pão, aquela senhora que faz o próprio azeite. E tentamos levar esses produtos para os nossos pequenos-almoços.” O Truck Surf Hotel estaciona em parques de campismo ou faz parcerias com quintas ou terrenos privados que já têm espaço para caravanas — como o senhor Rogério, que preparou o terreno na quinta O Montinho, em Santiago do Cacém, para receber o camião “com piscina e vista para o mar”. “São sítios ainda mais bonitos.”

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Na outra casa, que é um contentor marítimo estacionado no terreno do avô, está a mobília, os colchões, os armários, as malas, o sistema de som, as roupas de Inverno e de Verão, os utensílios de cozinha, as ferramentas (“que eu sou um bocado viciado em ferramentas e em montar coisas”, sublinha o Macgyver assumido), a primeira prancha do Eduardo (tinha nove anos), alguns álbuns de fotografias antigas e recordações “como as pessoas normalmente têm”.

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