Um terço dos novos lugares para professores já tem dono

Ministério da Educação afirma que nada teve a ver com a fixação do número de vagas para a vinculação extraordinária de contratados, nem com os critérios para a sua ocupação. Listas provisórias dos concursos mostram que existem 1160 candidatos a quem o Estado está obrigado a garantir um lugar nos quadros.

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Para os concursos de acesso aos quadros foram validadas 96 mil candidaturas Nelson Garrido

Só na segunda quinzena de Julho os professores que se candidataram a um lugar no quadro vão saber se conseguiram ou não vincular, mas um terço das 3486 vagas que foram abertas este ano para o ingresso na carreira já tem dono. Isto porque nas listas provisórias dos concursos, publicadas pela Direcção-Geral da Administração Escolar na noite de terça-feira, e analisadas pelo PÚBLICO, existem 1160 candidatos a quem o Estado tem obrigatoriamente de garantir um lugar por terem cumprido três anos de contratos sucessivos com horários anuais e completos.

Ou seja, estes professores deram 22 horas de aulas por semana ao longo da totalidade dos últimos três anos lectivos. São os docentes abrangidos pela chamada “norma-travão”, criada pelo ex-ministro Nuno Crato, para responder a uma directiva europeia que proíbe a utilização abusiva dos contratos a prazo. Durante o Governo anterior, exigiu-se que os docentes tivessem pelo menos cinco anos com contratos sucessivos, no mesmo grupo de recrutamento.

A actual tutela começou por reduzir este limiar para quatro anos a contrato, mas a Lei do Orçamento de Estado (OE) para 2018 obrigou a que este prazo fosse reduzido para três anos, à semelhança do que acontece na restante função pública e no sector privado, tendo também deixado cair a obrigação destes contratos serem cumpridos a dar aulas na mesma disciplina.

Os professores abrangidos pela "norma-travão" são os únicos que figuram na primeira prioridade (existem três) dos concursos de acesso aos quadros. E estão por inteiro nas listas relativas ao concurso externo ordinário, que antes se realizava de quatro em quatro anos, mas que a partir de 2017 passou a ser anual precisamente para acolher estes docentes.

Foram abertas para este concurso 1236 vagas, das quais 94% estão por conta da “norma-travão”. Os grupos de recrutamento do 1.º ciclo do ensino básico e da educação especial são os que têm mais candidatos nesta posição. Para o primeiro, que tem 342 vagas abertas, são 307 os que se encontram abrangidos por aquela norma e no segundo encontram-se 252 para um total de 263 lugares.  

Também por força da Lei do OE foi aberto este ano um novo concurso de vinculação extraordinária onde existem 2084 vagas para ocupar. Nenhuma das 39.299 candidaturas validadas para este procedimento está colocada na primeira prioridade. Neste concurso os grupos com mais vagas são os seguintes: 1.º ciclo (539), Inglês do 1.º ciclo (349) e Matemática (295).

Tutela ausente

A legislação que regulamenta os concursos de professores determina que o número de vagas abertas para a entrada na carreira corresponde a “necessidades permanentes” das escolas, criadas essencialmente pela saída de docentes para a aposentação. Em resposta ao PÚBLICO, o Ministério da Educação (ME) esclareceu, contudo, que as vagas abertas para os concursos externos deste ano não foram fixadas pela tutela, mas sim pela Lei do OE que, no seu artigo 39, estipulou que o seu número não podia ser inferior às que tinham sido disponibilizadas em 2017. Foram então postas a concurso um total de 3462 vagas, agora estão disponíveis 3486.

As listas provisórias mostram que, no conjunto dos dois concursos externos (de acesso aos quadros), existem 96.004 candidaturas validadas, o que constitui um número recorde na história recente destes procedimentos. No ano passado, para ambos os concursos, foram validadas cerca de 60 mil candidaturas.

O ME já justificou esta subida com o facto de neste ano terem sido aligeirados os critérios exigidos aos candidatos. Por exemplo, no concurso de vinculação extraordinária em curso é apenas exigido que os candidatos tenham tido um contrato com o ministério nos últimos seis anos, quando em 2017, para o mesmo concurso, se exigia que tivessem pelo menos 12 anos de serviço.

Os que saíram estão a voltar

Esta diferença é também explicada pelo ministério pelo facto de não ter sido ele a fixar os critérios exigidos para a admissão aos concursos, uma vez que estes “já estavam definidos no artigo 39.º da Lei do Orçamento do Estado”. Refira-se que neste artigo apenas existe referência ao número de vagas, não existindo qualquer menção às normas que deveriam presidir à sua ocupação.

Para além de existirem critérios menos apertados para o acesso aos concursos, o presidente da Associação Nacional de Professores Contratados, César Israel Paulo, aponta também uma outra razão para o aumento do número de candidaturas: “Há candidatos que abandonaram o sistema educativo nos anos da troika, e até já tinham outros empregos, mas que estão agora a regressar porque têm constatado que o volume de contratações voltou a ser grande e que por isso podem agora estar mais próximos de serem colocados."

Contando com as vagas abertas para os concursos deste ano, verifica-se que desde 2015 entraram para o quadro cerca de 12.000 professores contratados. Por outro lado, há agora também nas escolas muitos mais docentes a contrato. No ano lectivo de 2016/2017 o seu número subiu para 28.381. Este valor é praticamente similar ao que existia em 2011/2012. Dois anos depois, em plena execução do programa de assistência financeira a Portugal, o número de contratados caiu para 15.634.

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