O mal é muito

Uma coisa é mentir dizendo “A sua chamada é importante para nós”, outra é a ganância de fazer crer que é muito importante.

Quem me devolve os meses de vida que passei a ouvir música de carrossel à espera que alguém atendesse o telefone? Mais aviltante do que a música é aquela voz sincera que nos segreda: “A sua chamada é muito importante para nós.”

Se fosse importante, arranjavam maneira de atender logo. É isso que “importante” quer dizer. Repetir a gravação diz o contrário: “A sua chamada não tem importância, deve ser só para nos chatear. No entanto, há uma pequena probabilidade que tenha uma boa notícia para nos dar. Nesse caso não desligue, espere o tempo que for preciso que a nós tanto nos faz, não vamos empregar mais gente do que já empregamos, ah, ah, ah!”

Deita-me abaixo o desperdício da palavra “muito”. Em vez de se guardar para quando merece, usa-se para tudo. Uma coisa é mentir dizendo “a sua chamada é importante para nós”, outra é a ganância de fazer crer que é muito importante.

Onde parará a inflação: a sua chamada é necessária à nossa sobrevivência — precisamos dela como um coração precisa de sangue?

A palavra “muito” está estupidamente colada a tantos adjectivos que até custa separá-la. Contente é uma coisa que se fica e basta dizer que se fica contente para passar a ideia plena de contentamento.

Mas é raro ouvir alguém que não diga: “Fico muito contente.” Até se poderia argumentar que não é possível ficar-se muito contente: ou se está contente, ou não se está contente. Para quê dizer “pouco contente”, se se quer dizer descontente, ou “muito contente” para dizer que se está contente?

É muito mau.

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