Espelho meu, espelho meu...

Terá ficado clara a intenção punitiva e provocatória da impactante foto invertida dessa figura emblemática que é Marcelo Rebelo de Sousa?

José Pacheco Pereira (JPP), historiador que semanalmente escreve no PÚBLICO sob a forma de artigos de opinião, fê-lo no dia 12 de maio com escolha do título apelativo “O Rei parece vestido”, ilustrado por uma foto invertida do Presidente da República (PR).

Debruçando-me sobre o ideário exposto, perceciono um agastamento latente, que objetivamente se traduz da seguinte forma:

  • Não percebe a razão pela qual o PR “resolveu dar uma série de longas entrevistas a vários órgãos de comunicação social” pois, na sua opinião, só o poderia fazer se (I) acontecesse “algum drama político”, (II) existisse “uma qualquer crise previsível a curto prazo” ou (III) houvesse “alguma tensão escondida nalgum lado que precise da sua palavra para deixar de ser tensão”.
  • Não percebe “a mais absurda das afirmações” (“não se recandidataria, caso se repetisse o que aconteceu nos grandes incêndios”);
  • Não percebe “o seu [do PR] discurso sobre os perigos dos populismos”, embora reconheça os seus riscos na Europa, acusando o PR de ações típicas de populismo e de ser “defensor de posições populistas”.

Não me parece que Marcelo Rebelo de Sousa se vá importunar muito com a opinião de JPP, tão-pouco ponderará designá-lo seu personal adviser no que concerne à forma de atuação, seja com a imprensa ou com os cidadãos e a quem pouco deve importar a contabilidade feita ao número de entrevistas, flashes, abraços ou apertos de mãos. O que é inegável é que o chefe máximo da Nação é um dos mais admirados e acarinhados PR de sempre e, pelo facto, figurará nos anais da História do país, o que poderá afigurar-se incómodo para alguns.

Quase a terminar o seu escrito, alavancado, porventura, por uma intenção oculta, efabula um quadro de labilidade instalada entre o alvo das suas críticas e o primeiro-ministro (PM), tecendo a este elogios sem precedentes, com assumido caráter omnisciente nas ilações, em bom rigor, certezas que veicula ao afirmar “Costa disse duas coisas mortíferas [...] que [...] deixaram o Presidente mais furioso que o habitual”, a propósito da comparação entre interpretação de arte moderna e discursos modernos, e os recados que o PR não manda pela imprensa.

Com o devido respeito, as questões trazidas à colação mais parecem de quem quer “dividir para reinar”, desnudando-se numa lógica muito própria, fundeada em pseudoargumentos, dotados da vacuidade que aponta ao outro.

Terá ficado clara a intenção punitiva e provocatória da impactante foto invertida dessa figura emblemática que é Marcelo Rebelo de Sousa? Escolhido pelo povo que abraça, aparece cruxificado pela dimensão humana e fraterna que genuinamente assume, tão revitalizante para a sociedade dos dias de hoje. JPP parece confundir proximidade, humildade e coragem com popularismo, impondo o traje de Maquiavel ao PR, a quem atribui artes e manhas e dotes de lábia ardilosa para promoção pessoal, e tal oráculo confere querelas entre este e o PM.

A presunção atinge limite proibitivo quando, para além do epíteto superlativado “muito narcisista” atribuído ao Presidente, julga, na ausência de evidências, ser a opinião de todos (“...como todos sabemos”). Eu não sei. Bem pelo contrário! E, como eu, grande parte dos portugueses, como muito bem sabe JPP! Como ousa afirmar tamanho dislate?

Salvo melhor opinião, o artigo não é próprio de alguém com a obrigação de acrescentar algo que valha a pena ao discurso público, dando azo à seguinte questão: terá escrito virado para um espelho?

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