Subiu um degrau

Entrada Por que razão então Costa decidiu agora subir o tom e responder directamente a Marcelo?

“Todas as matérias que o Governo tem a transmitir ao senhor Presidente da República fá-lo diariamente, ou, pelo menos, semanalmente e o inverso também é verdadeiro. O senhor Presidente da República não manda recados ao Governo pelos jornais.” A declaração do primeiro-ministro foi feita na terça-feira de manhã, em reacção à segunda parte da entrevista do Presidente da República ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, é a mais violenta posição assumida até hoje por António Costa em relação a Marcelo Rebelo de Sousa e significa uma subida de degrau no relacionamento institucional entre ambos.

De facto, Marcelo não dizia nada na entrevista que não tivesse já dito, quer sobre incêndio, quer sobre a sua recandidatura. Como o próprio declarou ao PÚBLICO, reagindo à reacção de Costa, apenas se tratou de “revisão de matéria dada”. E, na entrevista, o Presidente introduz a questão deste condicionamento à sua decisão de ir de novo a votos, lembrando que o assumira já publicamente na comunicação que fez ao país sobre incêndios a 17 de Outubro de 2017, para reafirmar: “[Se] voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria, só por si, no meu espírito, impeditivo de uma recandidatura.”

Mais. O Presidente fez questão de na mesma entrevista começar por dizer o que só pode ser visto como um elogio ao Governo: “Naquilo que dependa da intervenção humana, no plano legislativo parlamentar, no plano político-partidário, no plano governamental, tenho a noção de que todos fizeram o que era necessário fazer e era possível fazer neste período de tempo.” E como Costa frisou: “O senhor Presidente da República já disse que é um cenário que nem sequer se põe. O que temos de fazer é trabalhar para que nenhuma tragédia dessas volte a ocorrer.”

Isto numa entrevista, em cuja primeira parte, divulgada na segunda-feira, Marcelo fez rasgados elogios e manifesta apoio à estratégia orçamental do Governo.

O tom de Costa surge assim como inusitado, já que a mais violenta intervenção política de Marcelo sobre o Governo foi a comunicação ao país a 17 de Outubro. O seu efeito imediato foi a demissão da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa. O significado profundo é o redesenhar do perfil do exercício dos poderes presidenciais, transformando a magistratura de influência em magistratura de interferência, como então escrevi neste espaço.

Trata-se de uma alteração do exercício do semipresidencialismo, em que Marcelo chama a si protagonismo facilitado pela existência de um governo minoritário, mas também sabendo brilhar no jogo da mediatização política da nova era comunicacional, da nova sociedade-espectáculo, em que se assume como o Presidente-celebridade, como pop star da política, como também já salientei neste espaço.

Dessa vez, fragilizado pelas circunstâncias, o primeiro-ministro começou por nem reagir. Substituiu a ministra, avançou com o Conselho de Ministros extraordinário sobre incêndios a 21 de Outubro e só depois da notícia do PÚBLICO sobre como o Governo tinha ficado “chocado” pela intervenção do Presidente, a 27 de Outubro, Costa

Costa veio publicamente acalmar os ânimos e esvaziar a crise, ao dizer: “Tenho a certeza de que vamos retomar todos e prosseguir o que os portugueses têm apreciado muito, por parte do Presidente da República, da Assembleia da República, da parte do Governo, que é um excelente esforço de cooperação institucional. E que aquilo que tem corrido bem nestes últimos anos não vai deixar de correr bem.”

Por que razão então Costa decidiu agora subir o tom e responder directamente a Marcelo? Será que o primeiro-ministro se sente tão seguro do seu sucesso na governação, em particular na política orçamental, que decidiu medir forças com o Presidente? Será que esta atitude de Costa indicia a sua expectativa e confiança em poder atingir a maioria absoluta nas legislativas?

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