Quatro anos depois, militares portugueses aterram no Afeganistão

Missão de seis meses dos 160 militares será cuidar da segurança do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul. Outros 23 vão ajudar a treinar a artilharia do exército afegão.

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Em pé, sorridentes, Inês e Daniel deixam-se fotografar por um amigo na sala de embarque do aeroporto de Figo Maduro. A mão dele vai afagando as costas dela, sobre a blusa florida. Ele, de farda em tons cremes e verde seco, está prestes a ser chamado para a pista, onde um Boeing 767 fretado pelo Exército o levará até ao Afeganistão. Novo abraço só daqui a seis meses: Daniel Conceição, de 27 anos, é o único médico do contingente português que esta segunda-feira à noite aterra no Aeroporto Internacional de Cabul.

A primeira Força de Reacção Rápida portuguesa destacada para o Afeganistão ficará integrada no Base Force Protection Group, da Resolute Support Mission da NATO, com a missão de contribuir para a segurança do aeroporto Hamid Karzai, e marca o regresso do Exército português ao Afeganistão, cenário de conflito onde esteve entre 2002 e 2014. São três pelotões liderados pelo major de infantaria João Santos Pais, equipados com espingarda automática G-3 e pistola Walther de 9mm, e com viaturas cedidas pelos Estados Unidos. Serem os primeiros traz desafios acrescidos, admite, mas o aeroporto é um das "bases mais seguras" do país.

Com temperaturas a rondar os 30 graus mas um nível de humidade baixo, uma altitude de 1800 metros propícia a arritmias, descontrolo arterial, dores de cabeça, e uma alimentação bem diferente, Daniel (o médico) prevê ser o militar do contingente que mais trabalho terá nas primeiras semanas, enquanto os outros ainda se estão a instalar. O que é bom: concentrar-se no trabalho fá-lo-á não pensar nas saudades. Tinha como ambição fazer uma missão no estrangeiro desde que entrou no Exército, em 2008.

“Agora é a altura ideal. Não estou casado, não tenho filhos. Posso conviver com outras nacionalidades, especialmente com norte-americanos, perceber um pouco mais sobre a experiência e a doutrina do trauma e emergência médica que tiveram nas guerras do Afeganistão e do Iraque”, vai dizendo, pragmático. Acredita que será uma “experiência enriquecedora”.

É com essa convicção que a soldado Ana Gonçalves se estreia também nestas andanças internacionais. De 22 anos, natural de Vieira do Minho, corpo franzino e maçãs do rosto coradas, é uma das apenas quatro mulheres de um contingente de 160 militares. A “realização pessoal” de concretizar o “sonho de “representar o país” e o treino que recebeu nos últimos seis meses fazem com que desvalorize os “receios” normais que, admite, os amigos e a família lhe lembraram quando lhes contou que se voluntariou para o Afeganistão.

Boa parte desses receios foram igualmente admitidos perante os militares alinhados no hangar de Figo Maduro pelo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. O aeroporto internacional de Cabul é uma “infra-estrutura crítica essencial para o Afeganistão e para a NATO”. Tem um ambiente operacional “exigente” pelas condições climatéricas adversas e pelo elevado ritmo de trabalho no âmbito da segurança e defesa, mas sobretudo por estar sob “ameaça permanente de natureza incerta” e devido ao “ambiente socio-político e militar instável” que ainda se vive no país, descreveu, de forma directa, o almirante Silva Ribeiro.

Oriundos dos regimentos de Braga (Cavalaria 6), Vila Real (Infantaria 13) e Viseu (Infantaria 14), os militares fizeram um aprontamento de seis meses em Viseu e receberam o estandarte nacional há um mês, em Castelo Branco. Vão hasteá-lo no aeroporto de Cabul, onde já estão os 14 militares do serviço de apoio logístico. Em Julho, parte outra equipa de 23 militares para apoio ao desenvolvimento da escola de artilharia do exército de Cabul, salientou o chefe do Estado-Maior do Exército. O general Rovisco Duarte não se cansou de tecer elogios às “capacidades únicas, profissionalismo, espírito de sacrifício” e de coesão dos seus militares mas também ao “papel fundamental” de apoio das famílias.

Uma menção que cai como uma luva em Maximino Clemente: o filho, de 26 anos, teve onze pessoas na despedida, incluindo a filha de seis anos e o avô, que esteve na guerra na Guiné. O rapaz já tinha avisado no ano passado, ao telefone da Lituânia: “Vou aí dar um beijo à malta umas semanas e depois vou para o Afeganistão”, conta o pai, que lhe respondeu: “Opá, deixa-te disso!” Afinal, era verdade. Fez umas férias em Cabo Verde com a namorada e a 12 de Novembro apresentou-se para o aprontamento. O avô refilou – “Tu e milhares deles foram obrigados; eu vou porque quero”, replicou-lhe o neto. “Agora é mais complicado… Que não tentem ser melhores do que conseguem e não se metam em aventuras. Vai correr tudo bem”, convence-se, em voz alta, Maximino.

Repetente nestas andanças é também o primeiro-sargento Bruno Marques, de Coimbra. Passou pelo Kosovo em 2011/12 na força de manutenção da paz, pela Lituânia em 2015 (de Abril a Julho no NATO Assurance Measures), segue agora para Cabul. As motivações foram mudando com a realidade da sua vida pessoal e com a diferença dos cenários – primeiro, quando não havia mulher nem filha, pelo desafio; agora, aos 31 anos, para ajudar a “honrar os compromissos internacionais” do país. Receios? Só do perfil menos “tradicional” dos conflitos que ainda se travam naquele ponto do globo. “Já não é só um homem com uma arma; o perigo pode estar ao virar de qualquer esquina.” A saudade começa a matar-se esta noite, apesar dos 7000 kms de distância: “Já sabemos que a internet no aeroporto é muito boa”, diz, a rir, Bruno Marques.

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