Marcelo desafia partidos a “actuar” sem esperar julgamentos

No caso específico do combate à corrupção, o Presidente nota que os vários agentes judiciários deixaram de fora dois dos instrumentos mais vezes discutidos como possíveis, para agilizar o combate: o enriquecimento ilícito e a delação premiada

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Nuno Ferreira Santos

O Presidente da República está preocupado com a percepção que os portugueses têm da corrupção no Estado e com o tempo que levam os  processos judiciais. E deixa um desafio claro aos partidos: “Se há necessidade de elaborar legislação que corresponda verdadeiramente àquilo que é fundamental para o país ou para o Estado de Direito democrático, então eu penso - mas está nas mãos dos partidos - que os partidos devem actuar”. 

Numa entrevista exclusiva ao PÚBLICO e Renascença, que será publicada na segunda e terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa vai até mais longe, defendendo que a situação é suficientemente urgente para que as soluções legislativas não fiquem dependentes do final de casos judiciais mediático que vão marcando a actualidade. Recusando referir-se a processos como o de José Sócrates ou a investigações como a de que é alvo Manuel Pinho, Marcelo vinca que “os partidos devem actuar, não dependendo de casos concretos, de processos concretos, de vicissitudes concretas.”

Na entrevista, o Presidente resguarda-se quanto a soluções concretas. Lembra que fez há ano e meio um apelo ao sector judicial, para que se entendesse sobre mudanças a fazer. E, lembrando que esse trabalho está feito e entregue, deixa um pedido aos deputados dos vários partidos: “Continuo a esperar que esse trabalho realizado conheça alguns frutos”. Abrindo a porta a que eles possam ir mais longe do que aquilo que ficou registado no pacto: “Admito que há muitas outras iniciativas pensáveis, que vão para além daquilo que foi na altura discutido pelos parceiros da Justiça.”

No caso específico do combate à corrupção, recorde-se, os vários agentes judiciários deixaram de fora dois dos instrumentos mais vezes discutidos como possíveis, para agilizar o combate: o enriquecimento ilícito e a delação premiada. “Aí houve, digamos, uma intervenção mais limitada, é evidente. Até porque há temáticas que são consideradas muito polémicas e que deparam com o juízo de inconstitucionalidade do TC”, admite o chefe de Estado. Mas não sem deixar a indicação das duas preocupações que tem neste momento: a de “ir mais além” no domínio da prevenção (“os próprios protagonistas no domínio da prevenção dizem” que isso é desejável, anota); e o de acelerar o tempo tempo judicial.

Esta semana, com o caso Pinho e o cerco da direcção do PS a Costa em pleno, Marcelo recusou-se de novo a falar sobre casos concretos de corrupção. Mas numa conferência na Gulbenkian voltou a sublinhar os riscos que o fenómeno da corrupção representam para o sistema democrático : “Noutras circunstâncias disse o que pensava sobre a sanidade da democracia”, disse, remetendo para o discurso que fez nas comemorações do 25 de Abril. Em Portugal, afirmou o PR, a situação ainda é diferente de outros panoramas: “Há uma estabilidade institucional, uma estabilidade política e no sistema, quer de partidos quer dos parceiros económicos e sociais, que nos permitem dizer que não vivemos o que outros países vivem. Mas devemos olhar para esses exemplos e foi isso o que eu quis dizer no 25 de Abril”.

Nesse discurso, em pleno Parlamento, o chefe de Estado tinha regressado aos seus repetidos avisos sobre a necessidade de reforçar a transparência e ética republicana na política, para evitar o “compadrio com o poder económico”. E alertara a missão “essencial” de “evitar fenómenos de lassidão, de contestação inorgânica e anti-sistémica e de cepticismo com os partidos”. Tão essencial como "um eficiente combate à corrupção de pessoas e de instituições". "Nenhuma cedência de princípio pode ser admitida" e "nenhum tempo pode ser perdido”, disse o Presidente.

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