As experiências psicadélicas de Jon Hopkins

Das pulsações electrónicas tecno ao ambientalismo das peças para piano, eis um álbum projectado pelo inglês Jon Hopkins para traduzir a construção, o enlevo e a libertação de uma experiência cósmica.

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O inglês Jon Hopkins, 38 anos, compositor, produtor, DJ e pianista formado no Royal College of Music, que edita agora o quinto álbum a solo Steve Gullick

A música é, talvez, entre todas as artes aquela que convida mais à transcendência. E se existe alguém que o sabe é o inglês Jon Hopkins, 38 anos, compositor, produtor, DJ e pianista formado no Royal College of Music, que edita agora o quinto álbum a solo, através da editora Domino.

Singularity é, passe o lugar-comum, uma autêntica viagem. É uma obra de música electrónica instrumental, um vai-e-vem de acelerações sonoras e momentos de abrandamento, projectando estados de ânimo que vão da euforia à melancolia, tudo isto desenvolvendo-se de forma ondulante.

No campo da música de atributos electrónicos, com espaço para uma clareza de ideias onde caibam ao mesmo tempo a fisicalidade, o prazer, o ambientalismo, a lógica ou a capacidade de experimentação, não existem muitos por aí como ele (Four Tet, Kelly Lee Owens, Caribou, Daniel Avery ou James Holden, poderão ser alguns exemplos com pontos de ligação).

O anterior álbum, Immunity (2013), deu-lhe o merecido reconhecimento. Era talvez o seu registo onde a música assumia um carácter mais dançante, mas sem nunca deixar de lado a definição ambiental, depois de uma década de aventuras a solo ou na companhia de Brian Eno, King Creosote (Ramdom Dance) e até Coldplay, para além da criação de remisturas (de David Lynch a Four Tet) ou composição para cinema, teatro ou dança.

A seguir ao lançamento desse álbum há cinco anos, seguiram-se imensas solicitações para prestações ao vivo ou na qualidade de DJ, para além de criar a música para um Hamlet apresentado no Barbican de Londres. Resultado: ansiedade, turbulência física e mental, problemas de sono. Foi aí que em vez de acelerar, resolveu abrandar, começando a fazer meditação de forma séria, ao mesmo tempo que se mudava de Londres para Los Angeles.

Hoje quando olha para trás diz que o álbum acaba por reflectir uma sociedade acelerada, mas também a possibilidade de lentamente a podermos viver de uma outra forma. Não espanta que diga que o presente disco é marcado pelas experiências de meditação transcendental e também por uma técnica de respiração inspirada na prática tibetana do tumo, que aumenta os níveis de energia corporal.

“Gostava que o disco fosse ouvido de um só fôlego, como uma obra com princípio, meio e fim”, afirma ele. “Foi projectado para seguir a construção, enlevação e libertação de uma experiência psicadélica. Fiquei obcecado com essa ideia de conectividade – e de como uma simples nota pode actuar como ponte entre faixas e estados de alma diferentes. Desta forma, com uma nota em comum, uma faixa tecno incisiva como Everything connected pode estar intimamente ligada com uma peça coral como Feel first time, e os dois ambientes contrastantes podem alimentar-se um ao outro, conduzindo-nos do distópico para o transcendente.”

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É uma obra de música electrónica instrumental, um vai-e-vem de acelerações sonoras e momentos de abrandamento, projectando estados de ânimo que vão da euforia à melancolia, tudo isto desenvolvendo-se de forma ondulante.

Ouvindo as duas faixas, que se seguem no disco, percebe-se o que quer dizer. Everything connected é um tema de dez minutos, uma faixa tecno de baixos distorcidos, som rugoso, parecendo querer apreender o mundo por inteiro, enquanto Feel first time, é uma peça ambiental, marcada pela presença de um coro vocal translúcido que nos aproxima do sublime.

É como se Jon Hopkins quisesse mostrar que independentemente de haver momentos que induzem à pulsação rítmica ou à contemplação, o que temos é música que reflecte e projecta estados de espírito. Mais do que isso. As mudanças rítmicas ou emocionais acontecem no espaço de um só tema. Existem faixas, como Luminous being, que começam num lugar de tranquilidade, para de seguida nos conduzir para uma extensão de desnorte, antes de entrarmos num território cintilante, estrelado e espaçoso, misto de baixos retorcidos, notas de piano e atmosfera etérea.  

Este é provavelmente o seu álbum mais definidor, mostrando o produtor das electrónicas que gosta de balanço rítmico, linhas de baixo pulsantes e atmosferas hipnóticas, mas também o músico dos significados melódicos e dos rascunhos de piano, capaz de fazer coincidir tudo isso sem hesitar.

É uma obra onde reflecte os diferentes estádios psicológicos que experienciou na sua transformativa jornada, que é concluída com uma tranquila peça para piano (Recovery), exposição de um gesto de aceitação ou de reconciliação com a natureza e com a imensidão do universo.

Nas entrevistas que tem dado, tem feito questão de dizer que a opção por ter criado um álbum assumidamente concebido a partir de experiências psicadélicas, nada encerra de invulgar para ele. “É um processo indutor, mental, meditativo, monitorizado, em circunstâncias legais e sem qualquer interferência de substâncias psicoactivas não orgânicas. Não é um acto, digamos, recreativo. É uma forma de tomarmos contacto com as partes mais profundas da nossa mente e todas essas coisas que não estão à superfície. Foi por isso que comecei a fazer meditação – porque queria, de uma forma controlada, ter acesso a esses estados de consciência.”

Poderia eventualmente ter escrito um livro para tentar transmitir essas práticas, mas na sua visão é difícil descrevê-las a quem nunca passou por elas. “É como tentar descrever uma experiência sexual a quem nunca a teve. É possível, mas não é fácil. Através da música, sem palavras, é pelo menos praticável estabelecer alguns estados emocionais que uma experimentação desse género encerra”, afirma. E agora aí está Singularity, álbum cósmico, de som profundo, de onde se sai a respirar melhor.

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