Governo pede ao Constitucional que trave concurso até Junho

Executivo invoca “flagrante inconstitucionalidade” de uma norma do concurso imposto pelo Parlamento sem avisar aliados de esquerda. E pede aos juízes decisão rápida “para ter utilidade”.

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Norma de concursos de professores será avaliada pelo TC Nelson Garrido

Foi a primeira vez em 27 anos e, por consequência, a primeira vez de António Costa: o primeiro-ministro pediu ao Tribunal Constitucional que declare a inconstitucionalidade de uma norma do concurso de mobilidade interna para professores de carreira, que PCP, BE, PSD e CDS impuseram ao Governo no Parlamento. E fê-lo sem avisar os parceiros de maioria, confirmou o PÚBLICO.

No comunicado emitido esta sexta-feira, o Governo diz que “tudo fará” para que o concurso “decorra com total normalidade”, apesar do pedido de fiscalização sucessiva. Mas pediu ao TC uma decisão “antes de Junho”, “para ter utilidade”. Leia-se, para inviabilizar o concurso nos termos que foram definidos pelos partidos da esquerda e pela direita parlamentar.

Na prática, o primeiro-ministro deixa os juízes do TC sob pressão. Se estes não têm prazo fixado para uma decisão, a partir de agora ou decidem rapidamente - antes de as colocações de professores ficarem fechadas - ou ficam na iminência de declarar inconstitucional os termos do concurso a meio de um ano lectivo seguinte. Isso poderia gerar um caos no sistema educativo, a menos que os próprios juízes determinassem que a sua própria declaração de inconstitucionalidade teria efeito nulo, por razões de interesse público.

As duas razões do Governo 

A regra que o Governo põe em causa é central no concurso que os partidos impuseram ao ministério. Trata-se da norma que impõe a distribuição em 2018 de horários completos e incompletos a docentes de carreira", que Costa diz ser uma “medida injusta, violadora do princípio constitucional do direito a salário igual para trabalho igual", que o Governo quer saber se o TC admite.

"Optar por atribuir horários incompletos a docentes que auferem o salário integral é uma injustiça não apenas para os professores vinculados que leccionam horários completos pelo mesmo salário, como para os professores contratados que quando colocados em horários incompletos apenas auferem o salário correspondente às horas que lecionam."

Mas o Governo dá uma segunda justificação para enviar o documento para o TC: a dos gastos. “A colocação de professores do quadro em horários incompletos implica a contratação de milhares de professores contratados para ocupar os horários completos deixados vagos pelos professores do quadro, pelo que, além de ser uma medida injusta, é uma medida de má gestão dos recursos existentes que, caso tivesse sido adotada em 2017, teria gerado um acréscimo de despesa de 44 milhões de euros". 

Os 44 milhões de euros servem, agora, para o executivo acusar PCP, BE, PSD e CDS de “porem em causa” o critério “de boa alocação dos recursos existentes”. E para sugerir ao TC que, implicando “no ano económico em curso um significativo acréscimo de despesa”, se decida pela “flagrantemente inconstitucionalidade” da norma: "O Parlamento está constitucionalmente impedido de fazer, por força do número 2 do artigo 167.º da Constituição (norma-travão)", lembra o comunicado. Este ano orçamental, estima o Governo, o custo seria de 15 milhões de euros (dado que o ano lectivo termina em Junho). 

Esquerda fala de “mau perder”

Se é a primeira vez desde 1991, em plena era de Cavaco Silva, que um Governo pede a fiscalização sucessiva de uma lei aprovada pela Assembleia da República, o caso é ainda mais extraordinário face à legislatura que está em curso. É que o primeiro-ministro decidiu abrir este braço-de-ferro sem avisar os seus aliados

“Acabei de saber. E numa primeira leitura, que não dispensa uma leitura mais aprofundada, parece que o Governo teve mau perder”, afirmou ao PÚBLICO a deputada Ana Mesquita, coordenadora do grupo parlamentar do PCP na Comissão de Educação e Ciência.

Do lado do Bloco, Joana Mortágua assume que o partido desconhecia a intenção do executivo e que é por "teimosia" que surge este pedido de fiscalização sucessiva. "Se o Governo não tivesse insistido com teimosia no seu erro, a Assembleia da República não teria aprovado a apreciação parlamentar", disse a deputada ao PÚBLICO.

"O Governo foi ultrapassado pelo Parlamento", acrescenta Joana Mortágua. "O que queremos é que o concurso corra da melhor forma possível. É isso que continuamos a esperar. Que não haja teimosia nenhuma que impeça a correcção de uma injustiça". O Bloco insiste que o executivo teve várias oportunidades para corrigir o erro. Sobre o facto de terem ou não sido informados de que o Governo ia fazer este pedido junto do TC, a bloquista responde claramente: "Não nos foi comunicado".

Candidaturas a decorrer

As candidaturas que já estão a decorrer desde o dia 23 tanto para o concurso interno, destinado aos professores de carreira, como para os concursos externo ordinário e extraordinário, que foram abertos para a entrada no quadro de cerca de 3500 professores contratados, destinam-se a ocupar lugares que foram deixados vagos tanto nos Quadros de Agrupamento/Escola como nos Quadros de Zona Pedagógica. O seu número já foi estabelecido pelo Ministério da Educação e a ocupação destas vagas não está dependente dos horários que vierem a ser disponibilizados no início de Julho.

Mas foi precisamente a questão dos horários que levou o Parlamento, por iniciativa do BE, PCP, PSD e CDS, a determinar a abertura, já este ano, de um novo concurso para os professores do quadro, que normalmente só se realizaria em 2021. Foi a resposta da Assembleia da República à opção tomada pelo Ministério da Educação de só disponibilizar completos (22 horas de aulas por semana) no concurso para os professores de carreira realizado em 2017.

Os números avançados pelo Governo dizem apenas respeito ao concurso de contratação inicial, que é aberto todos anos e que se destina a suprir a falta de professores do quadro. Este concurso é apenas para docentes contratados e os seus resultados são conhecidos na segunda quinzena de Agosto. 

Em 2017, foram colocados 2300 docentes por via deste procedimento. Mas logo em Setembro foram contratados mais 1007 para ocupar horários completos que não tinham sido ocupados. Esta contratação fez-se ao abrigo da chama reserva de recrutamento 1, a primeira de muitas que vão sendo efectuadas ao longo do ano para suprir professores em falta, nomeadamente por se encontrarem em situação de baixa médica. 

Até ao presente mês (Abril), segundo contas feitas pelo docente Arlindo Ferreira, especialista em estatísticas da educação, foram colocados 5293 professores contratados em horários completos. Todas estas contratações não foram contabilizadas pelo Governo na sua contabilidade sobre os concursos. Com Sónia Sapage, Luciano Alvarez e Clara Viana

 

 

Notícia corrigida às 13h42 deste sábado. O PÚBLICO tinha notíciado por lapso que estava em causa o concurso extraordinário de professores, quando de facto está em causa o concurso de mobilidade interna para professores de carreira.

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