Labirinto catalão

A estratégia da justiça espanhola e, consequentemente, a estratégia da sua condenação do separatismo catalão encontra-se neste momento dependente das condicionantes da justiça alemã.

O mandato de detenção europeu, ou euro-ordem, entrou em vigor a 1 de julho de 2004.  A partir desta data, tudo mudou quanto à forma de aplicar as sentenças judiciais em toda a Europa, já que se trata de um instrumento eficaz de cooperação internacional e com segurança jurídica. Em termos muito simples, e para que toda a gente compreenda, significa que um mandato de detenção europeu consiste numa decisão judiciária emitida por um Estado-membro com a finalidade de detenção e entrega a outro Estado-membro de alguém que é procurado para efeitos de procedimento criminal ou cumprimento de pena.

Assim, quando é conhecido o paradeiro de alguém a contas com a justiça, a autoridade judicial emitente do tal mandato de detenção europeu comunica diretamente com as autoridades de um Estado, por forma a ser tramitada e executada, com urgência, a ordem de detenção emitida.

Para a sua execução ser rápida (aplicação automática, como se diz) é necessário que os crimes de que o perseguido é suspeito, ou condenado, estejam incluídos nos 32 considerados pela justiça penal como graves e comuns a todos os ordenamentos jurídicos.

O Tribunal Regional Superior do Schleswig-Holstein, na Alemanha, o qual aprecia o mandato para a entrega de Carles Puigdemont às autoridades de Espanha, entende que o crime de rebelião não se encontra previsto no código penal daquele país germânico, nem, tampouco, que se encontra incluído na lista dos 32 crimes acima referidos.

Encontramos, sim, o crime de alta-traição à pátria e o crime de alta-traição contra um estado da República Federal, ambos previstos nos artigos 81.º, 82.º e 83.º do código penal da Alemanha, cujos pressupostos para a punibilidade são o uso da força (violência) ou ameaça do uso dessa mesma força para alterar a ordem constitucional daquele país, ou seja, crimes com o intuito de derrubar o regime constitucional ali vigente. A justiça alemã entende que os atos violentos praticados na Catalunha em 1 de Outubro passado, durante a celebração do referendo ali realizado naquele dia, não revestiram nenhuma periculosidade, nem sequer contiveram violência suficiente para derrubar o regime constitucional de Espanha.

Não estando o crime de rebelião incluído na lista dos tais 32 crimes, nem previsto no dito código penal alemão, ter-se-á então de analisar o mandato de detenção de Puigdemont à luz no Princípio do Reconhecimento Mútuo previsto no artigo 82.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), onde se pode ler o seguinte: "A cooperação judiciária, em matéria penal na União, assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais."

Mas, para que exista livre circulação das determinações judiciais, torna-se necessário que as autoridades judiciais reconheçam que as decisões emitidas pelas autoridades congéneres de outro país sejam tratadas de igual forma (princípio da igualdade de tratamento), não devendo, por isso, haver diferenças entre decisões judiciais proferidas na Espanha, em França, na Alemanha ou em Portugal.

Perante o entendimento do tribunal alemão do Estado do Schleswig-Holstein, o qual não aceita extraditar Puigdemont pelo crime de rebelião, o que é que, na circunstância, poderá fazer a autoridade judiciária espanhola? Aqui, abrem-se quatro soluções, a saber: a primeira, retirar o mandato de detenção europeu (Puigdemont sairia da Alemanha em liberdade e apenas seria detido se entrasse em território espanhol); a segunda, a autoridade judiciária de Espanha reformularia o mandato de detenção europeu introduzindo novos crimes, dependendo da aceitação do tribunal daquele país (Juzgados de instrucción da Audiencia Nacional); a terceira, aceitar a entrega do prevaricador pelo "crime de malversación de fondos públicos", consignada no artigo 432.º do Código Penal, o qual, sendo autoridade ou funcionário público no exercício das suas funções, tenha agido por forma a causar prejuízo ao património público (sanção com pena de prisão que poderá ir até 12 anos de prisão se o valor do dano for superior a 250 mil euros, e ainda sanção de inabilitação para o exercício de funções públicas por um período máximo de dez anos); por fim, a quarta, submissão da questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

A responsabilidade pelo reenvio é exclusiva do tribunal espanhol, desde que considere que o tribunal alemão, no caso vertente o do Schleswig-Holstein, não interpretou corretamente as provas existentes contra aquele prófugo catalão, provas essas suficientes para que ele possa ser entregue e julgado no país vizinho pelo crime de rebelião.

O TJUE limitar-se-á, por assim dizer, a pronunciar-se sobre a forma como deverá ser interpretada a colaboração entre a Espanha e a Alemanha no âmbito da euro-ordem. Seguira a interpretação constante da decisão do TJUE, com data de janeiro de 2017, e conhecida como "caso Grundza", na qual aquele tribunal determinou que "o estado que examina uma euro-ordem deve ser flexível na interpretação dos factos pelos quais uma pessoa é procurada para efeitos penais, para prevalecer o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais. Não é exigida uma correspondência igual entre os elementos constitutivos do delito, nem a correspondência no tipo ou classificação do delito face aos direitos nacionais dos estados receptores da euro-ordem." A expedição do processo para o TJUE, suspendê-lo-á, desse modo, no tribunal alemão.

Ensina a teoria dos jogos que o futuro determina o presente, ou seja, o resultado das decisões de uns determina as decisões de outros numa interdependência semelhante a um jogo.

A estratégia da justiça espanhola e, consequentemente, a estratégia da sua condenação do separatismo catalão encontra-se neste momento dependente das condicionantes da justiça alemã, o mesmo é dizer do TJUE sedeado no Luxemburgo, sobre o mandato de detenção europeu, mandato esse que acabará, de uma forma ou de outra, por determinar os caminhos a trilhar pelo governo espanhol. Em suma, neste momento, a Espanha encontra-se perdida no labirinto catalão.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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