Vinte anos ligados à corrente

O trio de Carlos Barretto, Mário Delgado e José Salgueiro assinala o seu vigésimo aniversário com um disco novo e a energia de sempre.

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Mais do que um projecto liderado por Barretto, o trio agora apresenta-se como colectivo democrático

O último disco do trio Lokomotiv, projecto fundado pelo contrabaixista Carlos Barretto, datava já de 2010. Chamou-se Labirintos e foi editado pela Clean Feed. Passada quase uma década sem dar notícias, o trio regressa agora aos discos no momento em que assinala 20 anos de existência — o primeiro disco Suite da Terra surgiu em 1998 e o nome “Lokomotiv” só chegou com o quarto disco, editado em 2003.

O trio de Carlos Barretto (contrabaixo), Mário Delgado (guitarra eléctrica) e José Salgueiro (bateria) cedo demonstrou um fácil entrosamento musical. O contrabaixo a funcionar como peça central, a guitarra eléctrica lançar faíscas e bateria a fornecer a propulsão rítmica, num jazz aberto de linhas melódicas fortes, com espaço amplo para a improvisação e uma permanente energia rock. O grupo já colaborou com músicos como Louis Sclavis (no disco Radio Song) ou François Corneloup (no disco Lokomotiv), mas a sua peculiaridade está na forma como trabalha no simples formato de trio.

Neste novo disco a música mantém as mesmas ideias de base, mas sente-se uma vontade de mudança e, mais do que um projecto liderado por Barretto, o trio agora apresenta-se como colectivo democrático: pela primeira vez o nome do contrabaixista não está na capa, surge apenas o nome do grupo, Lokomotiv. E essa democracia é também clara nas composições, que agora são partilhadas por todos: Barretto assina três, Salgueiro duas e Delgado uma; e as três faixas restantes são improvisações.

O disco arranca com o arco do contrabaixo a assinar uma breve introdução, entrando depois guitarra e bateria, primeiro timidamente, depois crescendo. Lugar sem lugar não só é o tema mais longo do disco, como é representativo da música, onde a força da melodia se cruza com a energia rock. A democracia é evidente ao longo de todo o disco, na forma de trabalhar os temas, onde há espaços para todos os músicos solarem.

Marcados pela constante energia, os temas atravessam diversos ambientes, desde as linhas oblíquas de Porta Líquida, passando pelo ritmo cavalgante de Arriba, até ao quebra-cabeças Tangram (de Delgado, já trabalhado pelo grupo TGB) e os encontros e desencontros das três improvisações sem rede (Cair com as mãos nos bolsos, Corrida lenta e Trapézio de Catrapázio). Com mais um disco sólido, o trio de veteranos mantém a criatividade acesa, com a energia de sempre e o velho espírito rock a pairar.

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