Depois de Paris, os universalistas já jogam agora em casa

A Casa da Arquitectura, em Matosinhos, acolhe a exposição que em 2016 mostrou em Paris meio século de arquitectura portuguesa numa iniciativa da Fundação Gulbenkian. Mas “não se trata de uma exposição nacionalista”, diz o seu curador, Nuno Grande.

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A exposição na Casa da Arquitectura mantém o mesmo figurino de Paris Nelson Garrido
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Nuno Grande, arquitecto, professor e curador da exposição Nelson Garrido
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Os universalistas vai ficar patente até 19 de Agosto Nelson Garrido
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Os universalistas vai ficar patente até 19 de Agosto Nelson Garrido
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Vista da exposição na Cité de l'Architecture et du Patrimoine, em 2016 Atelier Jean-Benoît Vétillard

Dois anos depois de apresentada em Paris, a Casa da Arquitectura, em Matosinhos, mostra agora entre nós a exposição que conta meio século de história da arquitectura portuguesa. Iniciativa conjunta da Fundação Calouste Gulbenkian – que em 2015 assinalou o meio século da sua delegação na capital francesa – e da Cité de l’Architecture et du Patrimoine, a exposição Os universalistas foi pensada por Nuno Grande, desde o início, com o objectivo de “apresentar não apenas o modo como a arquitectura portuguesa foi marcada pelo recente contexto político, social e cultural do país, mas também, e inversamente, as marcas por ela deixada nesse mesmo contexto”, escreve o curador e professor de arquitectura no catálogo.

Agora, na nova instituição de Matosinhos – onde a exposição vai ficar patente até 19 de Agosto –, Nuno Grande está na expectativa de ver como os visitantes reagirão a um objecto que lhes é mais ou menos familiar. “Se a escolha destes 50 projectos fosse feita para ser mostrada em Portugal, seria obviamente outra. Em Paris, eu estava a mostrar projectos e arquitectos que para a França eram uma novidade; aqui não”, diz o curador na visita em que guiou o PÚBLICO à exposição que tem inauguração oficial esta sexta-feira à noite (21h00), numa sessão em que Nuno Grande irá moderar um debate sobre o tema Portugal, um ‘outro’ universalismo, com a participação dos arquitectos Alexandre Alves Costa e João Rodeia, e a expectativa de que a presença de Eduardo Lourenço possa também manifestar-se em pessoa, além da longa entrevista-testemunho filmada que enquadra todo o percurso de Os universalistas.

Na ala principal da Casa da Arquitectura, a exposição mantém o mesmo figurino da sua instalação em Paris, na cave ligeiramente curva do antigo palácio no Trocadéro. Ali, como em Matosinhos, a montagem de Os universalistas foi desenhada pelo arquitecto francês Jean-Benoît Vétillard, que por esse e outros trabalhos do seu atelier foi um dos laureados, na última semana de Março, com o prémio Albums des Jeunes Architectes et Paysagistes (AJAP), atribuído pelo Ministério da Cultura francês.

“A exposição em Paris correu muito bem, e o meu trabalho permitiu-me descobrir a arquitectura portuguesa, mesmo se ela era já uma arquitectura de referência em França”, disse ao PÚBLICO Vétillard, confessando a sua predilecção pela obra de Eduardo Souto de Moura, que o “inspira particularmente”.

O arquitecto francês destacou a beleza do espaço da Casa da Arquitectura, que vê como “um cenário que parece moldado para a exposição, que aqui respira melhor do que na Cité de l’Architecture et du Patrimoine”.

Viagem em cinco actos

Em Matosinhos, como em Paris, Os universalistas proporciona uma viagem pela segunda metade do século XX da arquitectura portuguesa nos quatro cantos do mundo. Abre com o edifício-sede da Gulbenkian em Lisboa, projecto do trio Ruy d’Athouguia, Alberto Pessoa e Pedro Cid, construído ao longo de uma década (1959-69); e encerra com o Centro de Criação Contemporânea Olivier-Debré (2012-16), na cidade francesa de Tours, a expressar a internacionalização do atelier dos irmãos Aires Mateus.

Pelo meio, faz-se um percurso cronológico, geográfico e temático organizado em cinco capítulos e momentos de afirmação do universalismo dos arquitectos portugueses, na sua relação com o (inter)nacionalismo (1960-74), com o colonialismo (1961-75), com a revolução (1974-79), com o europeísmo (1980-2000) e com a globalização (2001-16).

“Não se trata de uma exposição nacionalista. Ela incide sobre 50 anos de arquitectura portuguesa, mas é mais sobre a maneira portuguesa de fazer arquitectura”, diz Nuno Grande, explicitando que não lhe interessa tanto “adjectivar a arquitectura”, antes “encontrar o método que levou muitos destes arquitectos a trabalhar dentro e fora do país sempre numa perspectiva de abertura e de diálogo: com a geografia, com o território, com o clima, com o outro”.

Daí que em Os universalistas encontremos projectos concretizados em vários continentes e em países como Angola, Moçambique, Macau e o Brasil, mas também o Iraque, a Alemanha e a Bélgica, para além de França.

Na montagem agora feita para a Casa da Arquitectura, Nuno Grande insiste na grafia do conceito ‘universalistas’ em letra pequena, “e agora com mais proeminência”. “Fizemos esta exposição antes do Brexit e da eleição de Donald Trump, que tem uma perspectiva anti-universalista”, justifica o curador, lembrando que “a ideia de criar muros e barreiras é contrária ao universalismo, que, por exemplo, defende um Miguel Torga, quando diz que o universal é o local sem paredes”. “É interessante que hoje estejamos a discutir as paredes que outros querem erguer para isolar as culturas umas das outras”. E Nuno Grande volta a fazer notar que “a nossa cultura é de diálogo com o mundo, mesmo em tempos de violência e de ocupação”, como aconteceu no período colonial em que os arquitectos – e realça este “paradoxo” – eram chamados a projectar equipamentos urbanos em tempo de guerra nas províncias ultramarinas.

Do Maio de 68 ao 25 de Abril de 74

Ao longo dos quatro meses em que vai ficar patente na Casa da Arquitectura, Os universalistas será pretexto para um programa paralelo que já no próximo dia 25 de Abril irá fazer a ligação da Revolução dos Cravos com o Maio de 68 em Paris – “os anos que agitaram a polis” –, sobre o qual se assinala também agora a passagem de meio século.

Em Maio e Junho, diferentes arquitectos e colectivos de arquitectura são convidados a discutir, no ciclo Herdeiros ou heréticos?, a suas relações com mestres e gerações anteriores. E em Junho e Julho, no ciclo Sud-Express, arquitectos, professores e historiadores franceses virão a Matosinhos falar do seu olhar sobre a arquitectura portuguesa.

Nuno Sampaio, director executivo da Casa da Arquitectura, realça que Os universalistas é a primeira exposição a ser acolhida pela instituição sendo produzida fora dela – mesmo se contém materiais do arquivo de Matosinhos. “A Fundação Gulbenkian fez-nos o desafio, e acreditou em nós, o que nos deixou muito contentes”, nota o responsável, assinalando que esta mostra vem de encontro a um dos grandes objectivos da Casa, que é “alternar produções próprias, de raiz, com outras que venham de outras partes do mundo, como esta agora vinda de Paris”.

Depois da grande exposição de abertura da Casa, Poder Arquitectura – que contabilizou 23 mil visitas, “um número que nos deixou muito satisfeitos, porque mostrou que a população respondeu ao nosso desafio de abrir a arquitectura ao grande público”, diz Nuno Sampaio –, Os universalistas dará de seguida lugar a uma nova produção da instituição, que será dedicada à arquitectura brasileira.

Pode ser que, por essa altura, a exposição de meio século de arquitectura portuguesa possa ser mostrada além-Atlântico, como Nuno Grande gostaria. Nuno Sampaio avança que se trata de “algo a pensar”, lembrando a relação privilegiada que a Casa da Arquitectura tem com o Brasil – tem, por exemplo, no seu arquivo o projecto do novo Museu dos Coches, de Paulo Mendes da Rocha. “Esta exposição foi pensada para mostrar e falar da arquitectura portuguesa lá fora, e as relações internacionais que estamos a criar podem facilitar esse objectivo”, acredita o director executivo.

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