PSP: Polícia... de Segurança Privada

Os serviços remunerados a agentes de autoridade constituem uma (triste) originalidade à portuguesa.

Faltam agentes de polícia nas ruas. Há escassez de meios para a segurança pública. Mas, ao mesmo tempo, temos agentes destacados para guardar o interior dos supermercados Pingo Doce, do El Corte Inglés; ou ao serviço de clubes de futebol e todo o tipo de empresas. Estes serviços são prestados pelos agentes, em contrapartida dum acréscimo de vencimento; e são remunerados pelas entidades privadas que os requisitam. Esta promiscuidade entre serviços privados e funções de autoridade pública é um absurdo.

A causa próxima desta anacrónica situação reside nos baixos salários pagos às forças de segurança, na Polícia de Segurança Pública, mas também GNR. Muitos milhares dos cerca de 21 mil agentes da PSP, profissionais fardados e armados, representantes da autoridade do Estado, recebem salários da ordem dos 800 euros ou menos. Este nível salarial praticado nas forças de segurança é miserável, indigno para a função e até perigoso no plano social. Para disfarçar estes salários ridiculamente baixos, sucessivos governos recorrem a uma situação ainda mais indigna: colocar agentes da PSP a prestar serviços a privados, complementando-lhes a remuneração, ao mesmo tempo que lhes aumenta, na prática e ilegalmente, as horas de trabalho semanais. Em síntese, o Ministério da Administração Interna compensa os salários baixos com duplo emprego... na privada, agenciado pela própria PSP.

As consequências negativas desta situação são inúmeras. Por um lado, os agentes que trabalham para privados conferem à entidade que lhes paga uma legitimidade (falsa) de autoridade pública. A ambiguidade é total, as dúvidas sucedem-se. Quando um agente tem de exercer a força ao serviço de empresas privadas, actua com a força da lei e da segurança pública? Tem legitimidade para prender alguém? Se um consumidor se quiser queixar à polícia de uma atitude incorrecta por parte de um colaborador do Pingo Doce, poderá fazê-lo, sendo que depende salarialmente daquela empresa? Em jogos de futebol, os agentes no interior dos estádios estão ao serviço dos clubes, enquanto aqueles que estão nas imediações estão ao serviço da segurança pública. A quem obedecem e quem protegem uns e outros? Devem defender as claques ou proteger os cidadãos da violência que estas possam provocar? E quando no aeroporto de Lisboa e Porto precisamos de um agente de polícia, estará ele em serviço público ou a proteger o património e o negócio da empresa ANA (Aeroportos de Portugal)?

Por outro lado, esta presença massiva de agentes da PSP em funções de segurança privada impede que as empresas de segurança possam desenvolver-se e pagar condignamente aos seus funcionários. Há, aliás, neste sector uma situação de concorrência desleal em que o Estado regulador faz concorrência aos seus regulados. Seria pois interessante saber por que razão a Autoridade da Concorrência não se pronuncia sobre esta matéria sensível, que envolve tantos milhares de trabalhadores, num sector de enorme relevância social.

Finalmente, as consequências directas para os agentes que fazem estes serviços remunerados. Fazem-no obviamente por necessidade, é uma forma de complementarem os seus baixos vencimentos; mas estes serviços remunerados provocam-lhes exaustão, uma vez que os agentes trabalham muitas mais horas semanais do que deveriam; e privam-nos do merecido descanso e do contacto com as suas famílias.

Os serviços remunerados a agentes de autoridade constituem uma (triste) originalidade à portuguesa. Todos perdem: os polícias, que têm de se sacrificar com horas extra para melhor sobreviver, e os cidadãos que, confusos, não percebem afinal ao serviço de quem estão os agentes de polícia. Mas, sobretudo, perde o Estado de direito democrático que se fragiliza, quando milhares dos principais representantes da autoridade do Estado alienam a sua autoridade por um complemento salarial que os priva (a si e à instituição PSP) da independência que a função impõe. Pague-se, pois, decentemente aos agentes de polícia, exija-se-lhes trabalho competente, permita-se-lhes o descanso a que têm direito. Entregue-se a segurança privada a empresas de segurança privada. Devolva-se à PSP a dignidade que o seu lema determina: uma PSP “Pela Ordem e Pela Pátria”. Ou seja, uma PSP que defenda apenas a ordem num Estado de Direito e nenhum qualquer outro tipo de interesses.

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