Uma fábrica que é muito mais do que uma serralharia

Otiima é uma empresa da Póvoa de Varzim que produz “muito mais do que janelas” e caixilharias para o mercado nacional e internacional. É também um estaleiro usado por escultores e arquitectos consagrados; e, a partir deste ano, um atelier para residências de jovens artistas.

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Nelson Garrido
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“Much more than a window”. A proclamação-lema desta empresa está inscrita, com diferentes declinações, nas t-shirts dos operários, em cartazes espalhados pelos pavilhões, nos caixotes do lixo e mesmo nalgumas peças produzidas nesta fábrica, em testemunhos assinados como se de um livro-de-honra se tratasse – “Otiima is much more than a brand. It is the beautiful people behind it” (“Otiima é muito mais do que uma marca. É a equipa fantástica que está por trás dela”).

Esta não é, na verdade, uma fábrica igual às outras. Entramos nos seus pavilhões, na zona industrial da Póvoa de Varzim, e percebemos que se trata de uma serralharia, uma fábrica de construção de caixilharias e janelas que se encontra já implantada nos mercados nacional e internacional, mesmo se existe há apenas cinco anos. Mas, logo de seguida, quase tropeçamos num candeeiro-escultura em aço de Pedro Cabrita Reis – o tal em que se lêem várias frases elogiosas escritas por clientes e visitantes –; numa estrutura de José Pedro Croft ainda em construção; num protótipo da escultura de Jorge Pinheiro que abriu a sua recente exposição no Museu de Serralves, D’áprés Fibonacci e as coisas lá fora; em múltiplos de pássaros de grande formato, branco e castanhos, desenhados por Álvaro Siza; ou num conjunto mesa e quatro cadeiras em metal lacado a branco dos irmãos Aires Mateus…

Decididamente, a Otiima é mais do que uma fábrica de caixilharias e janelas. Na sua ficha de apresentação, enquanto marca da companhia Ecosteel, afirma-se como uma fábrica de peças em metal e de caixilharias, mas também de produções artísticas. E é como tal que, primeiro, se impôs no mercado ibérico, estendendo-se de seguida a outros países.

Estaleiro das artes

Foi aí que foi construída, por exemplo, a instalação Medida incerta, com que José Pedro Croft representou Portugal na Bienal de Arte de Veneza de 2017 – e que depois foi incorporada na Casa da Arquitectura, em Matosinhos. Outros escultores, como João Louro, Fernanda Fragateiro, além de Pedro Cabrita Reis, ao lado também de outros arquitectos, como Eduardo Souto de Moura ou o italiano Renzo Piano, são clientes frequentes das instalações da Otiima.

No ano passado, o seu proprietário, José Maria Ferreira, decidiu autonomizar a vertente artística da empresa, e criou o ramo Otiima Artworks, precisamente para dar resposta a este braço da sua produção.

“A Otiima Artworks surgiu da relação de amizade de José Maria Ferreira com esses artistas e arquitectos”, explica ao PÚBLICO José Miguel Pinto, que foi convidado pelo empresário a dirigir o novo departamento.

Este arquitecto e curador, que nos últimos quatro anos viveu e trabalhou em Santiago do Chile, dirige actualmente uma equipa que conta ainda com Ana Brito, como coordenadora artística, e Bruno Lança, responsável pelo sector do audiovisual.

Coube a Ana Brito conduzir o PÚBLICO por entre os estaleiros de obra da Otiima, ajudando a decifrar entre o que são as peças da produção industrial e as de artistas, em curso ou já mesmo acabadas. E nem sempre essa distinção é clara. Por exemplo, à entrada de um dos pavilhões, uma janela que foi usada num stand da empresa numa feira em Basileia tem uma das faces laterais decorada com uma pintura do artista suíço Marc Chollet. E logo à frente, por entre bancadas e tornos mecânicos, é possível admirar quatro painéis do colectivo Borderlovers (Pedro Amaral + Ivo Bassanti) retratando figuras maiores das artes portuguesa e francesa – Manoel de Oliveira e Jean Renoir, Amália Rodrigues e Edith Piaf, Mário de Sá-Carneiro e Marcel Proust – e que irão itinerar este ano por França, no âmbito do projecto Lusoscopie.

Criar a partir do “entulho”

“O projecto Artworks começou com alguns artistas amigos, mas foi-se alargando e dando origem a novas apostas”, diz Ana Brito, explicando que a empresa decidiu lançar, no ano passado, um departamento especificamente dedicado à vertente artística, que partilha o espaço com os 80 trabalhadores da fábrica.

Inicialmente voltada para dar resposta aos artistas mais consagrados que procuravam os serviços da Otiima, a Artworks abre-se agora, desde o início do corrente ano, aos jovens artistas através do projecto No Entulho. Trata-se de um programa de residências artísticas ao longo do ano, em que os convidados são desafiados a criar arte a partir dos excedentes e dos desperdícios da produção industrial.

“A Otiima tem uma vasta equipa que, até agora, através dos seus departamentos financeiro, jurídico e de produção, tem ajudado os artistas que a procuram”, explica José Miguel Pinto. “Agora chegou a vez de ajudar os artistas mais jovens e ainda pouco conhecidos, disponibilizando-lhes um espaço de residência e de criação que lhes permita saltar para outra escala nas suas carreiras”, acrescenta o arquitecto e curador, falando ao PÚBLICO por telefone, a partir de Bragança, no final da semana passada, onde concluía a montagem, no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, da instalação Knife and Wound. God, Meaning, Subject and Phallus, de Filipe Marques (patente até 17 de Junho), e cuja produção contou com a parceria da Otiima.

Filipe Marques, artista nascido em Vila do Conde, deixou já também rasto na Otiima com a sua montra luminosa criada com exemplares do jornal Pravda, e já apresentada em várias galerias. Mas, continuando o percurso entre os espaços interiores e ao ar livre da fábrica na Póvoa de Varzim, Ana Brito mostra-nos também as 15 gravuras e fotografias do projecto Still Cabanon, com que a empresa marcou presença na última Bienalanozero, em Coimbra (e de que José Miguel Pinto foi um dos curadores), ou as novas peças, ainda em construção, que José Pedro Croft e Pedro Cabrita Reis conceberam para projectos da EDP.

Decididamente, a Otiima não é uma serralharia igual às outras. E os seus operários, como reagem eles a este suplemento de trabalho? “Normalmente, recebem bem os artistas”, responde Ana Brito. “As pessoas gostam deste tipo de trabalhos, e há mesmo quem aceite envolver-se nesta variante da fábrica participando na construção das peças, e mesmo sugerindo soluções”, acrescenta a guia, dando como exemplo o que se verificou com a instalação de Jérémy Pajeanc.

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