Um aluno estrangeiro só na faculdade

Apesar dos anos passados desde então, ainda hoje chegam notícias de como as universidades pecam no acolhimento aos alunos estrangeiros. Apesar dos anos passados, continuamos a perder, a fechar as portas e as mentes a quem de lá fora vem

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Redd Angelo/Unsplash

Parece que ainda o vejo, só, no meio do anfiteatro, vazio, ele vazio e o anfiteatro também, o professor tinha acabado de o apresentar, Franz Joseph, aluno de intercâmbio, gostava que o acolhessem e dessem as boas-vindas à nossa faculdade.

E, em 3, 2, 1, toda a gente zarpou.

Ficámos só eu e o Franz Joseph, ele sem perceber nada, mas a perceber, e eu sem querer perceber, incrédulo, e a perceber também.

A perceber como o professor não sabia falar inglês, ou tinha vergonha de falar em inglês, e os meus colegas, as minhas colegas, os nossos colegas sem saber falar inglês, ou com vergonha também, pelo menos a julgar pelos risinhos e sussurros infantis entre olhares de lado a fugir corredor fora.

João, disse eu com a mão estendida, Franz, Franz Joseph. "Like the emperor", respondeu, e eu, "What emperor?", e assim começou uma bela amizade.

Franz Joseph, austríaco, de Viena, um metro e oitenta de juventude e energia, um metro e oitenta de alegria loira como o sol, gostava de comer, gostava de viver e sorver a vida de uma vez só enquanto me falava de Viena e eu o levava ao Bairro e, à noite, à Linha e à praia, e o Joseph se apaixonava por todas as “raparigos bonitas” do nosso país, e eu também.

Intrépido e empreendedor, não sentia saudades da sua terra natal, não como nós, ao invés olhando em frente, a querer andar em frente, a fazer e aprender, montar uma empresa, investigar, descobrir e partilhar, sem medo, todo ele curiosidade.

Obviamente, o Joseph não sabia português mas, estou convencido, tivesse eu caído de pára-quedas em Viena e os cursos de alemão estariam ao meu dispor, a troco de nada, a troco de tudo e esta gratidão para sempre. Chama-se a isto acolher, é o mínimo, e alguém para nos explicar as aulas, por favor, os trabalhos e os exames que nunca hão-de ser em inglês, só português para quem pode, e não para quem quer, e em alemão nem em sonhos.

O Joseph não teve um apoio, um contacto, um telefonema, alguém da faculdade a bater à porta a perguntar se está tudo bem, e isto ao longo dos três meses de Erasmus, tendo eu de fazer as vezes de intérprete entre idas à secretaria, exames, papelada, o bilhete de avião de regresso.

Sim, para o Joseph, Portugal fez muito bem de país de terceiro mundo, pelo menos no que toca às aulas, à papelada, à burocracia. Já tudo o resto, tudo o resto foi a aventura da qual andava à procura porque aqui o parvo se predispôs a trabalhar de graça para a faculdade. E de bom grado faria tudo outra vez.

Ainda hoje mantemos o contacto, eu em Inglaterra, o Joseph um pouco por todo o mundo, da última vez que soube dele por terras de Vera Cruz.

Quem ficou a perder? A faculdade, por um lado, mais a má reputação criada, os meus colegas, por outro, com um amigo a menos nesta vida tão curta e a experiência por viver, e de caminho o país, afinal tão pouco acolhedor, onde cada um por si e todos por ninguém é a palavra de ordem.

Apesar dos anos passados desde então, ainda hoje chegam notícias de como as universidades pecam no acolhimento aos alunos estrangeiros. Apesar dos anos passados, continuamos a perder, a fechar as portas e as mentes a quem de lá fora vem. Assim, é difícil sair de nós mesmos, encarquilhados no torpor desta ignorância e ainda contentes por tanto, orgulhosos da nossa estupidez e tão sós como se ainda vivêssemos no canto da Europa. Nunca de lá saímos, não me parece que queiramos sair.

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