Filho, Portugal é lindo e... está cheio de burocratas

Filho, acabaste de nascer e queria apenas concentrar-me nas coisas boas, no amor que os teus pais te prometem e nos irmãos fantásticos que tens.

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Kevin Gent/Unsplash

Portugal é um país pacífico, com muitos dias de sol, bonito, das montanhas ao mar, de Norte a Sul. Filho, acabaste de nascer e queria apenas concentrar-me nas coisas boas, no amor que os teus pais te prometem e nos irmãos fantásticos que tens. Minutos depois de te conhecerem, os teus manos criaram um dos momentos mais ternurentos a que já assisti.

Saíram da enfermaria da maternidade e, assim que entraram no longo corredor, deram as mãos, enquanto trocavam um olhar cúmplice e doce. Podiam ser um casal a festejar uma boa notícia ou a aconchegar-se num momento de aperto. Mas eram apenas duas crianças que tinham acabado de te conhecer, o terceiro irmão.

– Gostaste do mano?

– Sim.

– É giro, não é?

– Giro e pequenino.

– Ainda não tem um dia.

– Ainda não tem um ano.

– É fofinho.

– É fofinho.

E seguiram pelo corredor fora, encantados com o bebé que tinham acabado de conhecer. É quase impossível não ficar convencido com a ternura de um recém-nascido, certo? Certo, a não ser que se seja esse monstro chamado burocracia, que provavelmente vais ter pela frente boa parte da tua vida.

Esse monstro burocrático já foi pior, acredita. Desta vez, além de te registar ainda na maternidade, também pedi logo no hospital o teu cartão do cidadão, o que evitou uma ida às finanças logo nos teus primeiros dias (porque um bebé não pode viver sem cartão de contribuinte) e outra à loja do cidadão uns meses mais tarde para tratar do dito cartão.

Faltava só a inscrição no centro de saúde, que é, aliás, a mais importante. Só que o monstro voltou a atacar. Tiveste o azar de o centro de saúde mais próximo de casa, onde estão inscritos o teu pai e os teus irmãos, ser uma parceria entre o Serviço Nacional de Saúde e a Santa Casa da Misericórdia. E assim, quando tentei inscrever-te, eis que a resposta foi 'não'. Pedi para falar com o responsável do centro de saúde. A resposta foi outra vez 'não'. Sem misericórdia.

– Porquê?

– Porque a mãe não está aqui inscrita e os bebés ficam no processo da mãe.

(Nunca pensei ouvir esta resposta no século XXI. Só faltou dizer que o pai devia estar a trabalhar em vez de tratar de coisas de bebés.)

– Mas há três anos inscrevi a irmã, sem problemas, neste mesmo centro de saúde...

– Então, erraram há três anos.

– Desculpe, mas do meu ponto de vista acertaram. É que a inscrição foi rápida e pude fazer, logo a seguir, o teste do pezinho.

– Não pode ser. As regras são para cumprir –, respondeu-me o monstro da burocracia, mascarado de médica.

Aquilo que podia ter ficado tratado em cinco minutos demorou uns dias. Tive de ir ao outro centro de saúde (aquele sem parceria mas com misericórdia), inscrevi-te, fizeram-te o teste do pezinho mesmo em cima do prazo limite e finalmente pedi transferência para o mesmo centro dos teus irmãos. Uma grande volta para chegar ao mesmo sítio. Esta volta serviu pelo menos para me reconciliar com a humanidade dos centros de saúde. Além de me terem dito que não havia qualquer razão para terem recusado a tua inscrição no primeiro centro de saúde, o funcionário da secretaria também disse a frase-chave: “É claro que o vou inscrever. As crianças estão em primeiro lugar. Esse bebé vai fazer já o teste do pezinho.” É curioso quando o funcionário da secretaria sabe o que está certo, ao contrário da tal médica vestida de burocrata.

P.S.: Morreu esta semana o pediatra norte-americano Berry Brazelton. O melhor que se pode dizer é que é um nome familiar em muitas casas, tantas foram as vezes que ouvimos os pediatras ou os nossos amigos a citá-lo. Ou que o fomos ler naqueles momentos de dúvida sobre como lidar com as birras ou os problemas de sono. Foi alguém que ajudou a tornar melhor a vida das crianças e dos pais. Uma palavra também para Stephen Hawking. Um ser humano genial e lutador, um bom exemplo para dar aos filhos sobre o poder de uma mente forte.

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