Duas almas perdidas no Sião

O leitor Pedro Montenegro partilha a sua experiência na Tailândia.

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Pedro Montenegro

Quinze horas esvoaçaram, em cafés, chás e muitas dormindo. Foi com alívio e felicidade, ouvindo um seco thomp do polícia da fronteira, que finalmente pisámos a Ásia: um momento que piscava como as três semanas que se seguiram. Daqui para a frente só queríamos o agora, a única eternidade que interessa.

Chegados, daí corremos ao hotel. Apesar da correria para tudo ver, parámos… Mais por ressentimento físico, resvalámos no ócio duma pequena sesta, quisemos regularizar o corpo com horas de sono! Foi pena, levantámo-nos já de noite.

Ai! Que rabugentos dias em Banguecoque, ai! Que formidável caos! Bocados de papel, pedra ou madeira servem para fazer o que seja: um assento para a comida ou o rabo, um barco no rio, uma casa ou nela própria o negócio de sustento. Lotes destas construções precárias atropelam a visão; as janelas das casas coladas à berma do rio com famílias, vida cheia! E dão-nos, a quem passa, um momento ou dois, reservando os outros à especulação de quem mais imagina.

Gin, mulher e viajante, susceptível “a los olores fuertes”, como dizia, cambaleava enjoada pelas ruas de Banguecoque. É tanta a variedade de comidas, mortos ou vivos, expostos sob gelo, pendurados por goelas, servidos em chapas fervidas, fervidas como essa cidade. Sodi-Kap aqui e ali, saltamos de Chinatown a becos sem saída sentados em tuk-tuks rodopiando de garrafa de água sempre na mão.

De Banguecoque foi hora de partir para o Norte, onde respirar fundo não molesta à barriga: em Chiang Mai, as estradas atiram-se aleatoriamente, nelas combinam-se montanhas e selva. Fomos ao Paraíso dos Elefantes (aqui activistas salvam-nos dos traficantes do mau trato); fomos à selva voar com “Gibbons” em zipline, bebemos whisky e soda por mão hospitaleira de um local recém-amigo. A quatro horas e 739 curvas daí fica Pai. É uma vila bastante recomendável, pequena, meia dúzia de ruas, pessoas, boa parte estrangeira a quem os tailandeses abrem a porta de bom grado. Despem-se de sentimentos de propriedade territorial: eles não nos afastam, não nos ameaçam, mas tão-pouco nos sugam; são abertos ao negócio e regem o produto, não deixando a este que os reja a eles (pelo bom serviço atiram umas oferendas à parte, já depois de imprimir o talão). Acima de tudo seguem com as suas vidas, ligando pouco às riquezas vindas de países desenvolvidos, preferindo viver com nada do que sobreviver com tudo. De cataratas a vistas de topo de montanhas, de scooter em estradas que se deixam escorregar, dormimos em bungalows em campos de arroz trabalhados pela manhã por camponeses de chapéu bicudo. Aí, à noite não há ruído. Há passarinhos nocturnos, peixes que hora a hora vêm ao de cima, insectos.

O sol punha-se e reflectia o brilho do Sul. Para aí fomos: night bus até Banguecoque e de avião até Krabi. Fizemos as tours, snorkeling e comemos marisco. Ficámos em Koh Lanta no hostel do tailandês vesgo que dizia, sorrindo, nada lhe escapar. Encontrámos um americano hippie, sem varinha na mão, que dizia ser uma ilha de magia. A caminho da última ilha, Railay Beach, regateámos em táxis. Escalámos, entrámos por cavernas sem luz, chegámos acima e ao fim. Fizemos as malas, aliviados, e voltámos a Banguecoque. Tempo houve para ir de bicicleta à velha capital Ayutthaya. Daí deve o sol ter bebido as suas forças: um dia de 35°C suado e poeirento fica registado como o último da nossa viagem.

Pedro Montenegro

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