O derby que atravessa dois continentes

A rivalidade entre Fenerbahçe e Galatasaray terá, este sábado, uma nova página na sua longa história. Liderança está em jogo numa partida conhecida pela intensidade.

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Resultado de confrontos no jogo entre os dois rivais Osman Orsal/Reuters
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Adeptos turcos criam "ambiente infernal" Murad Sezer/Reuters
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Fãs antes de um jogo entre o Fenerbahçe e o rival Galatasaray Osman Orsal/Reuters
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Confrontos entre adeptos do Fenerbahçe e polícia Unit Bektas/Reuters
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Muitas vezes, os jogadores dos dois clubes tentam serenar os ânimos Murad Sezer/Reuters

O estreito do Bósforo separa a cidade de Istambul em duas partes e coloca dois clubes da mesma cidade em continentes distintos: Galatasaray pertence ao lado europeu da metrópole e os rivais Fenerbahçe à metade asiática. O jogo de sábado será importante para as contas do título: Galatsaray é líder do campeonato turco com 53 pontos e Fenerbahçe encontra-se em quarto lugar a seis pontos. Besiktas e Istanbul Basaksehir seguem em segundo e terceiro lugar, ambos com 50 pontos. Mas, num dos jogos mais quentes do futebol mundial, a classificação é acessória. Fernando Meira jogou no Galatasaray e garante que a rivalidade permanece, independentemente da posição na tabela: “Os adeptos preferem que fiques em terceiro lugar e ganhes aos rivais do que em segundo e percas”. 

A paixão que os adeptos turcos colocam nos jogos de futebol é conhecida. De tal modo que, numa medição de ruído no estádio do Galatasaray, o valor máximo registado foi de 131 decibéis — mais ruidoso que um martelo pneumático. Este barulho ensurdecedor é confirmado por Fernando Meira, que relembra o seu primeiro jogo no terreno do Fenerbahçe: “É impossível [para o treinador] comunicar com os jogadores e para a equipa falar entre si”. Segundo o internacional português, que fez 60 jogos pelo Galatasaray, “toda a comunicação tem de ser feita por gestos”, devido aos cânticos e assobiadelas monumentais nos estádios turcos.

A animosidade entre estes dois emblemas é lendária: as raízes dos clubes são inteiramente díspares. O Galatasaray foi fundado em 1905 no prestigioso Liceu Galatasaray — que reunia os jovens pertencentes à elite de Istambul. Já o Fenerbahçe foi fundado dois anos depois por homens da classe trabalhadora e tornou-se, muito rapidamente, num clube de massas. Os jogos entre estas equipas foram amigáveis até que, em 1934, algumas faltas mais ríspidas numa partida provocaram a ignição de uma rivalidade que cresceu exponencialmente.

A bandeira que incendiou o futebol turco

Ao longo das décadas, a relação entre os dois clubes teve momentos de maior e menor tensão. Porém, em 1996, a animosidade assumiu contornos bélicos. Há 22 anos, o então técnico do Galatasaray, Graeme Souness — que chegou a treinar o Benfica —, cometeu um acto que o tornou um deus para os adeptos do Galatasaray e lhe garantiu o ódio eterno dos apoiantes do rival Fenerbahçe. Após vencer a Taça da Turquia no estádio do rival, o treinador agarrou numa bandeira vermelha e laranja — cores do Galatasaray — e correu com ela para o centro do terreno, espetando-a na marca do meio-campo — como se estivesse a reclamar território. Depois do acto irreflectido, correu para os balneários enquanto a polícia tentava ao máximo impedir uma invasão de campo dos adeptos enraivecidos do Fenerbahçe.

Um ano e meio antes do polémico jogo, Souness tinha sido submetido a uma operação de coração aberto. Fazendo referência à cirurgia, o vice-presidente do Fenerbahçe referiu-se ao escocês como “aleijadinho”, na chegada deste ao clube rival. “Depois da vitória, estava a olhar para as bancadas e vi a cara do homem no camarote”, disse o técnico escocês à Sky Sports. “Naquele momento pensei: 'já te mostro quem é o aleijadinho!'”. O momento ficará para sempre na memória das claques do Galatasaray que fazem coreografias alusivas ao episódio, em jeito de provocação aos rivais.

Ozgur Sancar, correspondente turco do diário desportivo espanhol AS diz ao PÚBLICO que o episódio “foi um momento de glória para o clube”. “Com aquela explosão emocional, acho que Souness queria também mostrar o poder do clube e dos seus jogadores no reduto do maior rival”, diz o jornalista.

Os fãs de futebol são conhecidos por terem memória longa, especialmente os mais fanáticos. Um dos ultras do Fenerbahçe — conhecido como “Rambo” — decidiu responder ao acto do técnico do Galatasaray na mesma moeda. Dois anos após o incidente, “Rambo” conseguiu infiltrar-se no estádio do rival e esconder-se no interior de um painel publicitário. Ficou no seu esconderijo toda a noite até que, no dia seguinte, perante um estádio lotado no primeiro jogo da temporada, saiu do painel munido com uma bandeira do Fenerbahçe e uma faca. Planta a bandeira no meio do terreno — como Souness tinha feito — e afasta com a faca quem se tenta aproximar. A polícia neutralizou o adepto e retirou-o rapidamente do terreno de jogo, antes que os fãs enraivecidos do clube da casa conseguissem chegar a ele.  

Desde esses dois episódios, os adeptos têm levado a rivalidade ao extremo. Os recorrentes confrontos levaram os organismos desportivos turcos a banir os adeptos visitantes, à semelhança de outros países conhecidos pela violência desportiva. Ozgnur diz que, na Turquia, “os fãs preparam um jogo como se de uma guerra se tratasse”. Para o jogo deste sábado antevê problemas, no caso da vitória dos visitantes: “Estamos num momento complicado porque a relação entre os dois clubes é de confronto. Se o Fenerbahçe perder o jogo, haverá grandes problemas”. Este potencial de violência é aumentado pelo facto de, em caso de vitória do Galatasaray, ser a primeira derrota do Fenerbahçe em casa contra os arqui-rivais desde 1999.

Os dados estão lançados e, este sábado às 16h portuguesas, o derby de Istambul terá mais uma edição. As emoções estarão à flor da pele, num importante teste para o Galatasaray que, em caso de derrota, pode perder a liderança e permitir ao Fenerbahçe reentrar na luta pelo título turco.

Texto editado por Jorge Miguel Matias

 

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