Morreu André S. Labarthe, o cineasta que filmava cineastas

O crítico e realizador morreu esta segunda-feira aos 86 anos. As dezenas de documentários que produziu, e em muitos casos realizou, para a série Cinéastes de notre temps são um documento fundamental para a história do cinema.

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realizador francês André S. Labarthe dr

Morreu esta segunda-feira em Paris, aos 86 anos, o crítico de cinema e realizador francês André S. Labarthe, colaborador histórico dos Cahiers du Cinéma e co-produtor, com Janine Bazin, da série de documentários Cinéastes de notre temps, depois rebaptizada Cinéma, de notre temps, cujas dezenas de títulos, abrangendo cineastas de sucessivas gerações, de Fritz Lang, John Ford ou Manoel de Oliveira a Jean-Luc Godard, John Cassavetes ou Aki Kaurismäki, constituem um documento fundamental para a história do cinema.

Muitos desses documentários foram realizados ou co-realizados pelo próprio Labarthe, cujos interesses não se reduziam ao cinema. Realizou também documentários sobre a bailarina Sylvie Guillem, o pintor Roy Lichtenstein ou escritores como George Bataille, Philippe Sollers ou Antonin Artaud.

“Labarthe dizia filmar para ‘esfaimar o espectador’, e a sua filmografia gigantesca e proteiforme reflecte a sua cultura enciclopédica e a sua insaciável curiosidade”, escreve a Cinemateca Francesa num comunicado em que presta homenagem ao realizador.

Destacando-o, entre os veteranos dos Cahiers du Cinéma, pela “originalidade do seu gosto”, a Cinemateca lembra os textos que Labarthe dedicou à cineasta experimental americana Shirley Clarke (1919-1997) ou a John Cassavetes, de quem foi “o incansável divulgador”. Logo em 1969, quando Cassavetes estava no início da carreira, Labarthe incluiu-o na série Cinéastes de notre temps, tendo ele próprio co-dirigido esse documentário com Hubert Knapp. Mas o cineasta de Rostos (1968) ou Uma Mulher sob Influência (1974) está longe de ser caso único. “Foi amando e dando a admirar as obras dos outros que André construiu a sua própria obra”, resume a nota da Cinemateca.

Estreada em 1964 com um filme dedicado a Luis Buñuel, a colecção de documentários que produziu com Janine Bazin (1923-2003) – mulher do crítico e historiador de cinema André Bazin, um dos fundadores dos Cahiers du Cinéma – é talvez o seu legado mais importante para a história do cinema.

Dos muitos documentários que ele próprio realizou, um dos mais célebres é Le Dinosaure et le Bébé, dialogue en huit parties entre Fritz Lang et Jean-Luc Godard, de 1967. Raoul Walsh, John Ford, Samuel Fuller, King Vidor, Jean-Pierre Melville, Norman MacLaren, Eric Rohmer, Martin Scorsese ou Nanni Moretti são outros cineastas que filmou. A sua última contribuição para a a série de documentários que lançou com Janine Bazin, e que em 1989 passou a chamar-se Cinéma, de notre temps, foi Le Système Moullet (2009), dedicado a um dos cineastas menos divulgados da Nouvelle Vague, Luc Moullet. 

Se Manoel de Oliveira, com Oliveira l’architecte (1992), é o único cineasta português contemplado no conjunto destas duas séries, Paulo Rocha, que dirigiu o filme, realizou ainda para esta colecção Shohei Imamura le Libre Penseur (1995), e Pedro Costa contribuiu com Onde Jaz o Teu Sorriso? (Où gît votre sourire enfoui?, 2001), sobre a dupla de cineastas Danièle Huillet e Jean-Marie Straub.

Além de crítico e realizador, André S. Labarthe foi também actor, tendo começado por participar em alguns filmes de culto do cinema francês dos anos 60, como Vivre sa Vie (1962), de Godard, ou L'Amour Fou (1969), de Jacques Rivette, onde interpreta um realizador. 

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