Óscares em circuito fechado

Continuamos todos a pensar que os Óscares são representativos do melhor que se faz no cinema. Não são. E por esta altura já devíamos ter percebido que eles apenas representam o circuito fechado da indústria que se celebra a si própria.

Há uma razão para eu estar sempre a citar a letra de Panic, dos Smiths, onde Morrissey proclama peremptoriamente sobre a música que se ouve na rádio: “Não me diz nada sobre a minha vida”. É que, no que diz respeito à maior parte do cinema americano que vamos vendo por cá, e que vai até sendo premiado, é um cinema que, pessoalmente, cada vez me diz menos e que parece existir numa bolha criativa imperialista centrada no mundo anglo-americano.

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Há uma razão para eu estar sempre a citar a letra de Panic, dos Smiths, onde Morrissey proclama peremptoriamente sobre a música que se ouve na rádio: “Não me diz nada sobre a minha vida”. É que, no que diz respeito à maior parte do cinema americano que vamos vendo por cá, e que vai até sendo premiado, é um cinema que, pessoalmente, cada vez me diz menos e que parece existir numa bolha criativa imperialista centrada no mundo anglo-americano.

Os Óscares são, por natureza, um reflexo dessa bolha, e por muito que se esperasse da edição 2018 uma reflexão sobre as questões #MeToo e #OscarsSoWhite, na volta ficou tudo na mesma. A Academia das Artes e Ciências Cinematográficas preferiu ignorar olimpicamente tudo isso, fingir que está tudo bem e, no ano em que Harvey Weinstein foi escorraçado por se portar mal, celebrar os filmes “de prestígio” que o mesmo Weinstein tornou em “isco de Óscares” com as suas campanhas

Nem é preciso ir aos prémios principais para perceber isso: repare-se como, na categoria de actor secundário, onde Três Cartazes à Beira da Estrada estava duas vezes nomeado, Sam Rockwell ganhou a Woody Harrelson. Os dois são bons no filme, a questão não é se um era melhor do que o outro; a questão é que onde a personagem de Rockwell é mais “espalhafatosa” e histriónica em termos de interpretação, a de Harrelson era mais contida e interna, e a Academia não resiste aos actores que “fazem número” (ou não tivesse dado o prémio de melhor actor a Gary Oldman). Ou olhemos para a categoria de actriz secundária: a sempre excelente Allison Janney levou o prémio pela sua mãe monstruosa em Eu, Tonya, mas é indiscutível que o seu papel empalidece perante a subtileza da sempre excelente Lesley Manville em Linha Fantasma ou a normalidade da sempre excelente Laurie Metcalf em Lady Bird.

Que o mesmo é dizer: a Academia gosta dos gestos óbvios. Mas teria sido um gesto igualmente óbvio, e provavelmente mais atento ao ambiente actual, premiar Foge ou Lady Bird, filmes que estão mais alinhados com o modo como as novas gerações de cineastas e espectadores americanos vêem o cinema.

Temos, por isso, de agarrar as migalhas de contentamento que ainda vão sendo possíveis. Como, por exemplo, o facto de haver um filme que fez o pleno, convertendo todas as suas nomeações em prémios – a mais recente animação da Pixar, Coco, que levou melhor longa animada e melhor canção original. Como, por exemplo, o filme chileno de Sebastián Lelio Uma Mulher Fantástica ter recebido o galardão de melhor filme estrangeiro – talvez agora a história de uma mulher transgénero em luta pelo seu reconhecimento obtenha o interesse do público que a sua estreia comercial não conseguiu. Como, por exemplo, o magistral director de fotografia britânico Roger Deakins ter finalmente, à sua 14.ª nomeação, recebido um Óscar (por Blade Runner 2049mas pronto).

Mas são migalhas. E migalhas que apenas confirmam como, independentemente do mérito individual de filmes ou personalidades, continuamos todos a pensar que os Óscares são representativos do melhor que se faz no cinema. Não são. E por esta altura já devíamos ter percebido que eles apenas representam o circuito fechado da indústria que se celebra a si própria.