Câmara recupera cadernos de arqueólogo do início do século XX

Colecção de José Coelho é composta por 158 pequenos livros pretos de apontamentos. Ali estão desenhadas estações arqueológicas, transcrições da época romana e descritas as reivindicações que este professor do início do século já tinha relativamente à preservação do património. Autarquia “resgata” o conhecimento do pai da arqueologia.

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A Câmara de Viseu está a reunir os cadernos de José Coelho, um nome que é uma referência da arqueologia no início do século XX. Dos 158 cadernos conhecidos que compõem a colecção, a autarquia tinha na sua posse, até há dois meses, apenas 17. Conhecido como o “pai da arqueologia” em Viseu, José Coelho foi o professor responsável pela descoberta de antas e dólmens que apaixonaram os historiadores da época.

O trabalho deixado pelo arqueólogo, que já tem um museu na cidade, está agora a ser “reabilitado para ser dado a conhecer”, como explicou Jorge Sobrado, vereador da Cultura.

“O primeiro passo foi recolher os cadernos, um património valioso do conhecimento arqueológico do concelho que estava disperso. Havia 121 cadernos num conjunto de 158 conhecidos que não estavam reunidos na colecção arqueológica. Este foi o primeiro passo. Juntar e depois iniciar o processo da sua digitalização. Seguir-se-á agora um trabalho da sua leitura e valorização”, referiu.

A autarquia conta ainda durante este ano avançar com a reedição de uma publicação de José Coelho que é feita a partir de vários apontamentos que se encontram nestes mesmos cadernos e que relatam os principais achados arqueológicos.

“Iremos também fazer uma revisitação dos lugares e pretendemos lançar, na Primavera e Verão, um conjunto de visitas arqueológicas. Vamos avançar com os roteiros José Coelho que fazem uma revisitação dos sítios que são, ainda hoje, grandes emblemas do Megalitismo, do Neolítico e da época romana”, anunciou o vereador da Cultura.

Jorge Sobrado explicou que os cadernos não estavam perdidos, antes dispersos por arqueólogos amigos e família.

Baú igual ao de Fernando Pessoa

Para já são conhecidos 158 livros, mas o autarca não esconde que o “baú” de José Coelho possa ser “interminável à semelhança do de Fernando Pessoa”. “Isso seria uma excelente notícia, mas não sabemos”, sublinhou.

Todos as descobertas, considerações e transcrições do arqueólogo estão detalhadamente apontadas nos 158 cadernos. O primeiro número data do ano 1916 e vai até 1926. A colecção é composta por pequenos livros de apontamentos, tipo moleskines, com capa preta e formato A6. Todos os cadernos são iguais e percorrem quase sete décadas. Na capa está assinalado o número do caderno e o espaço temporal. São milhares de folhas preenchidas por letras miudinhas e desenhos técnicos. “Fotografias” daquilo que José Coelho via. Há desenhos de estações arqueológicas, de brasões, mas também considerações e memórias do seu próprio quotidiano. Uma espécie de “diário” científico e histórico.

“Os cadernos são quase como um atcto de reunião dos fragmentos de um mundo antigo. Por vezes são apontamentos muito informais, divertidos, outras vezes são quase uma descrição muito metódica, rigorosa, mesmo obsessiva mas científica daquilo que era o seu trabalho de investigação”, apontou Jorge Sobrado.

Para o autarca, José Coelho foi o homem que, em Viseu, “sentiu pela primeira vez o risco de uma perda de um património”.

Um dos desígnios do arqueólogo, segundo o vereador da Cultura, vai agora, quase 100 anos depois, ser cumprido. José Coelho reivindicava a realização de um inventário do património etnológico. A Câmara de Viseu espera este ano arrancar com a carta patrimonial do concelho.

Quando o Porto quis “abafar” Viseu

O legado de José Coelho está “preservado” nos 158 cadernos, mas também nos muitos achados e publicações que foi fazendo ao longo da sua vida.

Uma das mais importantes achados da sua autoria foi o marco miliário encontrado em Moselos (Viseu), em 1925, durante uma “viagem de campo” com os seus alunos. Mas as suas grandes descobertas aconteceram em 1911 com o dólmen de Malmatar de Vale de Fachas e as antas da Pedralta, em Côta.

Este último achado esteve na origem de uma grande polémica da arqueologia portuguesa e que colocou José Coelho em rota de colisão com outro arqueólogo da altura, o professor Mendes Correia, da Universidade do Porto. Tudo porque o académico portuense terá insinuado que a descoberta da anta (a primeira que tinha motivos pintados a vermelho) seria da sua autoria. Só mais tarde, e após uma profícua troca de acusações nos jornais da época, é que José Coelho viu-lhe ser reconhecida a autoria

José Coelho era um exímio coleccionador e o homem que tinha uma obsessão pelo património. Era também bastante reivindicativo. Ainda no início do século XX defendeu a realização de um inventário etnológico do concelho. Chegou, inclusive, a publicar em jornais um questionário com esse propósito.

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