Londres, Alentejo, Lisboa e agora o mundo

Na primeira entrevista, um inglês, um austríaco e um português, contam a história dos Foreign Poetry, projecto iniciado em Londres, responsável por um magnífico álbum a ser lançado pela editora portuguesa Pataca Discos.

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31 anos. O multi-instrumentista austríaco Moritz Kerschbaumen e o multi-instrumentista e cantor inglês Danny Gessin lançarão o magnífico álbum de estreia depois do Verão. Em Junho estrear-se-ão no Nos Primavera Sound do Porto

Na era da internet, da sobreexposição, dos rumores, da comunicação contínua e da música e vídeos postos nas plataformas digitais muito antes de qualquer edição oficial, ainda é possível lançar um disco nas calmas. O álbum de estreia dos Foreign Poetry, a lançar em Setembro, começa com a canção Kullu, acordes de guitarra subtis, muito espaço entre as notas, depois entra aquela voz grave e envolvente, e o ritmo vai-se estendendo, langorosamente, por entre teclados, acordes de guitarra e alguns coros, enlaçando-nos por completo. É uma canção muito bonita.

Não o bonito que o cinismo contemporâneo se habituou a desrespeitar, mas qualquer coisa de profundo, suspirado, engrandecedor. Quando ouvimos aquela cantilena pensamos em alguns ângulos dos The National, dos Lambchop, de Arthur Russell ou Portishead, e depois escutam-se as restantes dez canções, e percebe-se que por mais que pratiquemos o jogo das referências, nunca sairemos da evidência maior que estamos perante um projecto singular, arquitectos de rendilhadas canções emocionantes.

Chamam-se Foreign Poetry e não vale a pena procurarem-nos na internet. Não estão lá. Pelo menos por enquanto. O que existe é a oportunidade, até domingo, de se descarregar gratuitamente aquele que será o primeiro single, Sparks, a ser editado a 4 de Abril, na plataforma Soundcloud da Pataca Discos. Depois do primeiro single, haverá um segundo em Maio, e o magnífico álbum de estreia depois do Verão. Antes, em Junho, estrear-se-ão no festival Nos Primavera Sound do Porto.

São dois, o multi-instrumentista austríaco Moritz Kerschbaumer, a residir em Londres há dez anos, e o multi-instrumentista e cantor inglês Danny Geffin, a viver em Brighton. Têm ambos 31 anos. Esta é a sua primeira entrevista, na qual participa também o elo português – foi o músico Benjamim que os uniu e será a editora Pataca Discos (Bruno Pernadas, Benjamim, The’re Weading West, You Can’t Win Charlie Brown) que lançará os singles e o álbum Grace and Error on The Edge of Now.  

“Pode parecer estranho toda esta história, mas ao mesmo tempo nos dias de hoje algumas fronteiras esbateram-se e o mais importante é sentirmos que somos aceites e compreendidos por outras pessoas, independentemente da nacionalidade”, diz Danny. Os afectos. As partilhas estéticas. O prazer de ver nascer um projecto. É isso.

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"Em disco o som é muito expansivo, indo da melancolia à euforia com facilidade, mas ao vivo esse leque emocional ainda se vai abrir mais, tenho a certeza.” Danny Gessin

“No meio disto tudo, claro, foi muito importante o Luís. Aliás as coisas começaram verdadeiramente quando estava a trabalhar com ele em Londres”, recorda Moritz. O Luís que é mencionado é Luís Nunes, ou seja Walter Benjamin, actualmente apenas Benjamim. “O Moritz é um dos meus melhores amigos, é tão simples quanto isso”, resume, antes de começar a contar a história da formação dos Foreign Poetry. Tudo começou na capital inglesa, onde ele esteve a viver durante cinco anos.  

“Na altura do alter-ego Walter Benjamin, em Londres, o Moritz começou a tocar comigo e gravámos muitas coisas em conjunto. Aliás sempre que eu vinha tocar a Portugal ele vinha também para se ocupar das teclas”, recorda Benjamim, antes de enunciar que no caso de Danny o conhecimento se travou de forma diferente. “Ele tinha um projecto com o irmão, o Josh, que se chamava Geffin Brothers e quando os vi em palco fiquei maravilhado com eles. A determinada altura comecei a fazer o som deles ao vivo e apresentei-os ao Moritz. E foi aí que começamos todos a tocar juntos em 2011. Eu e o Moritz tocávamos bateria e teclas nos concertos dos Gessin Brothers e eles tocavam baixo e bateria nos espectáculos de Walter Benjamin. E fazíamos concertos com os dois grupos. A meio mudávamos os instrumentos e dávamos dois concertos. Eram os mesmos músicos, em bandas diferentes”, resume.

“Nessa altura o Luís chegou a misturar um EP que fizemos os dois”, lembra Danny, “mas que nunca chegou a ser editado, talvez porque sentíamos então que ainda estávamos num processo de aprendizagem.” Depois desse período intenso em Londres, Benjamim acabou por regressar, em 2013, a Portugal, continuando aí o seu percurso musical, sem nunca abandonar os contactos aí encetados, como se constatou o ano passado com o lançamento do álbum conjunto com o músico inglês Barnaby Keen.

O ano passado Moritz veio a Portugal e foi aí que Benjamim ficou a conhecer o que os seus dois amigos tinham andado a gravar, depois da sua partida. “Ele esteve cá três semanas, andámos a viajar pelo Alentejo e ele mostrou-me o disco que estavam a fazer os dois e eu fiquei, tipo, uau!, isto é mesmo fixe!”, recorda. Não é difícil imaginá-los na planície, nas redondezas do Alvito de onde Benjamim é natural, de carro, Agosto, calor, vidros abertos, ouvindo aquela voz tão potente quanto intimista, envolvida por instrumentação clássica ou ocasionais meios electrónicos, em estruturas onde parecem caber várias canções na mesma canção.   

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Moritz Kerschbaumer, para além de Arthur Russell, nomeia os Air, Massive Attack, Portishead, PJ Harvey ou LCD Soundsystem como algumas das suas referências.

“Nessas semanas do Alentejo ouvíamos o disco quase todos os dias”, reconhece Benjamim, “e iam surgindo ideias e foi aí que lhe sugeri que falasse com o João Paulo Feliciano da Pataca, porque sentia que ele iria ter interesse em acarinhar e lançar aquilo. Por outro lado eu tinha lançado o álbum com o Barnaby e comecei logo a imaginar uma digressão conjunta”, ri-se ele, “que era uma forma também de reactivar ligações de Londres.”

Claro que Benjamim tinha razão. João Paulo Feliciano gostou do que ouviu e agora a Pataca faz parte da vida dos Foreign Poetry. “Acabámos por gravar algumas partes no estúdio em Lisboa, eu toquei bateria em alguns temas e misturámos também o disco aqui”, aponta Benjamim, enquanto Moritz recorda uma semana de estúdio em que “passávamos o tempo todo a trabalhar e havia pouco tempo para dormir. Mas acabou por ser determinante essa viagem no Verão do ano passado. Na verdade nós tínhamos apenas um conjunto de canções. Foi quando regressámos a Londres que constatámos que tínhamos em mãos um álbum a sério.”

Um álbum que é um caso sério, não parecendo de todo um registo de estreia, pela riqueza quase luxuriante da sonoridade, pela forma como o som é organizado, com espaço para respirar, o que envolve também uma grande segurança da parte de quem canta, e com letras sobre práticas espirituais fora de tempo, tensões de fervor político ou os rituais da passagem da adolescência para a maturidade. A composição é conjunta. Moritz encarrega-se mais da parte de produção. Danny escreve as letras e canta. Moritz faz segundas-vozes. Ambos são multi-instrumentistas.

“De alguma forma essa atenção aos detalhes que o álbum denota advém também do facto de fazermos música há dez-quinze anos”, reflecte Danny, enunciando que o processo criativo se iniciou no Natal de 2016. “Foi nessa altura que ele me enviou algumas coisas em termos de bases sonoras, e eu comecei a imaginar letras para elas. Noutras circunstâncias aconteceu ao contrário: eu enviava instrumentais e ele completava com mais ideias sonoras.  Na maior parte das vezes o que acontece é uma banda dar concertos e depois lançar um álbum. Aqui o processo é o contrário, mas as canções soam orgânicas com facilidade o que é óptimo.”

Quando se apresentarem no Nos Primavera Sound do Porto serão cinco em palco. “No álbum tocámos a maior parte da instrumentação, mas ao vivo será diferente e haverá mais três músicos connosco”, adianta Danny, assegurando que ao vivo a sonoridade irá ser diferente. “Em disco o som é muito expansivo, indo da melancolia à euforia com facilidade, mas ao vivo esse leque emocional ainda se vai abrir mais.”

Apesar de enraizados em Inglaterra, quando se ouve a sua música é até mais em alusões americanas que se pensa. Eles concordam. “Talvez tenha a ver com o facto de ele ser austríaco e de eu não ser o inglês tipo, com mãe católica irlandesa e pai judeu”, graceja Danny, antes de afirmar que são muito sinceros e sérios nas suas abordagens sonoras e líricas. “E essa honestidade e vulnerabilidade não são vulgares em discos ingleses, onde existe quase sempre a tentação de querer afirmar uma atitude de confronto.”

O elo musical que os liga chama-se Arthur Russell, o visionário músico americano que morreu em 1992 na obscuridade, depois de ter deixado uma obra – da música “disco” a linguagens de vanguarda – que tem sido recuperada na última década. “Quando começamos a fazer música juntos nunca tinha ouvido falar dele”, confessa Danny. “Foi o Moritz que me apresentou a sua música e isso marcou-me”, reconhece, enunciando que no último ano ouviu muito Alice Coltrane, para além de hip-hop e “coisas folk como os Lambchop ou Calexico”, ou “bandas melancólicas como os National e Bon Iver.” Já Moritz, para além de Arthur Russell, nomeia os franceses Air, os ingleses Massive Attack, Portishead e PJ Harvey e os americanos LCD Soundsystem como algumas das suas referências.

Agora farão parte da família Pataca. Para Benjamim, nunca deixaram de o ser. “O Moritz veio ao meu último concerto como Walter Benjamin no Lux, conhece toda a gente em Portugal, por isso, a coisa foi natural, de Londres ao Alentejo é um pulo.” De Lisboa para o resto do mundo é outro.

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