À descoberta de Belgrado

O leitor Pedro Cotrim partilha a sua experiência na capital sérvia.

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Pedro Cotrim

Belgrado saúda-nos do ar. Após dois voos muito nublados, as portas do céu abrem-se um pouco sobre o vale do Danúbio e a suave corrente de Oeste propicia-nos um sobrevoo à cidade desguarnecida de nuvens baixas.

O corredor aéreo faz-nos escorregar por cima de uns subúrbios desconchavados e subitamente distinguimos Stari Grad — a Cidade Velha — amontoada junto ao Sava. Como havíamos consultado uns mapas antes da viagem, conseguimos ainda distinguir as cúpulas de S. Sava e da Assembleia. Um raio de sol fugidio incide no ouro da cúpula da catedral como uma saudação. Não somos religiosos nem conseguimos atribuir qualquer significado místico a esta iluminação, mas achamo-la belíssima e celebramo-la em conjunto numa feliz contemplação que nos farta os olhos e a alma.

Do outro lado do rio começa a sobressair o reticulado de Novi Beograd. Assenta numa planície, o que ajuda às simetrias que a erguem do solo e a fazem diferir em quase tudo da cidade da margem oposta. O chão vai ficando mais perto e aterramos de forma quase suave no pequeno aeródromo Nikola Tesla. Ouvem-se palmas, coisa desusada nos nossos dias, mais ainda num voo tranquilo que não chegou a tomar duas horas de ar.

Tratamos rapidamente dos afazeres alfandegários e compramos dinares. Vivemos numa eurocracia e as notas de tonalidades pouco familiares dão-nos ainda mais cor ao passeio. Os zeros das notas põem-nos na carteira um valor à Tio Patinhas.

Entramos num táxi e damos a indicação ao motorista. Entende-nos à primeira, o que nos alegra. Da, é isso mesmo, o da eslavo que significa sim em quase todas as línguas daquele lado da Europa. E como é belo poder assentir com a primeira letra do alfabeto, com a primeira vogal numa sílaba curta, percebemos subitamente. O sim retesa-nos a face e a testa se o queremos oferecer num sorriso, o da é um sorriso elementar.

A auto-estrada, aqui como em toda a parte. Duas faixas apenas, com placas verdes e inscrições em cirílico. O sentimento de estar além cresce. Algumas indicações em alfabeto latino quase nos desgostam. Antes da viagem tomáramos umas horas para perceber algumas correspondências fonéticas entre os alfabetos. É realmente bastante mais fácil do que parece! Algumas equivalências ajudam, como o A, o K, o M ou o O. Depois bastam umas equações (P vale R, B vale V, H vale N e N ao contrário vale I) e mais uns caracteres e pronto! Servo-croata, deixaste de ser uma língua de trapos.

Percorre-se rapidamente Novi Beograd. O enorme edifício brutalista conhecido como Torre Genex impõe-se dos seus cento e tal metros de altura e parece-nos saído directamente das febres de Philip K. Dick. O alinhamento deste subúrbio tão acarinhado por Tito permite-nos deslocações velozes até chegarmos a um engarrafamento à antiga — tudo parado para atravessar o rio. Apenas uma faixa para lá, uma vez que a ponte está em obras.

A Cidade Branca deixa-se adivinhar e antecipamos os nossos passos pela outra margem, com promessas de pôr em letra de forma as nossas deambulações pela muito bela capital da Jugoslávia.

Pedro Cotrim

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