Um homicídio resolvido e um campeonato conquistado

As obras no estádio do Blackburn permitiram desvendar o caso de um homicídio. Meses depois, o clube sagrava-se campeão

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As bancadas de Ewood Park Reuters

É comum no futebol, pelas paixões que suscita, as coisas serem colocadas ao nível da vida ou morte. Mas este fatalismo ganhou sentido literal em Blackburn, onde há mais de 20 anos, durante as obras de renovação de Ewood Park, foi descoberto um cadáver. A investigação que se seguiu permitiu resolver o caso de um homicídio que estava pendente há uma década, com uma condenação a 12 anos de prisão para o autor do crime. Alguns meses depois da descoberta macabra, o Blackburn sagrava-se campeão da Premier League.

A década de 1990 foi memorável para o Blackburn, que em 1992 conseguiu colocar um ponto final em 26 anos de ausência do principal escalão do futebol inglês graças ao investimento feito por Jack Walker, empresário local com fortuna feita na indústria siderúrgica. Kenny Dalglish chegou para treinar a equipa e Alan Shearer foi contratado por um montante então recorde para o futebol inglês. Não faltava dinheiro e, em 1994, tiveram início as obras para tornar o estádio adequado à Premier League. E então houve uma grande surpresa.

Os trabalhos em Ewood Park implicaram a demolição de algumas casas em redor do estádio. A 19 de Julho de 1994 estavam a ser feitas escavações nessa zona quando um dos operários ouviu um som inesperado. “Ao barulho sinistro seguiu-se a visão de uma cabeça humana a despontar da terra e um turbilhão de cabelo louro que cobria a maior parte da cara mas não escondia o olhar vazio de dois olhos abertos e o suspiro silencioso de uma boca aberta”, escreveu na altura o jornal local Lancashire Telegraph.

O achado desencadeou uma enorme operação policial. Determinou-se que aquela zona correspondia ao quintal do número 84 da Nuttall Street, uma das casas que tivera de ser demolida. O cadáver aparentava ter entre 15 e 25 anos na altura em que tinha sido enterrado e, segundo apuraram os detectives, estaria ali sepultado há pelo menos uma década.

Brian Blakemore era o proprietário da casa em meados da década de 1980 e foi detido pela polícia seis horas após a descoberta do cadáver. Mas a informação disponível era escassa. E foi apenas por um golpe de sorte que foi possível identificar a vítima. Anthony Rogerson ouviu as notícias sobre o achado em Ewood Park e imediatamente se recordou do amigo Julian Brookfield, que tinha desaparecido para nunca mais ser visto no início dos anos 1980, contou o Lancashire Telegraph, acrescentando: “A polícia rapidamente confirmou a identidade com recurso aos registos médicos e dentários.”

O principal suspeito era Brian Blakemore, e a investigação determinaria como os destinos dele vieram a cruzar-se, fatalmente, com os de Julian Brookfield. A vida atribulada de Blakemore deixou-o parcialmente incapacitado após um grave acidente de viação, embora ele não se tenha deixado abater: dedicou-se a um dos seus interesses pessoais, a produção de fotografias eróticas, para a qual chegou a contratar uma modelo. Por essa altura, Brookfield era um jovem de 19 anos que estudara teatro, a quem previam um futuro nos grandes palcos, mas que viu-se a trabalhar numa sex shop enquanto esperava por uma oportunidade. E foi aí que conheceu Blakemore.

“[No julgamento] o juiz enumerou várias possíveis razões para Blakemore ter matado Brookfield, incluindo que estivessem a encenar um enforcamento numa sessão fotográfica de pornografia, ou que tivesse havido um desentendimento entre ambos relacionado com essas fotografias”, escreveu o Lancashire Telegraph.

Durante dez anos Brian Blakemore tinha dito que nada sabia sobre o desaparecido. “Do ponto de vista da família deste jovem, é o pior que podia fazer-se. Não saberem o que lhe acontecera há-de ter sido horrível. A mãe chegou a telefonar-lhe duas vezes mas nem isso o fez revelar o que sucedeu”, lamentou o juiz. Após 11 sessões de interrogatório, Brian Blakemore foi acusado de homicídio. A única declaração que fez depois disso foi para negar a acusação, mas em Maio de 1996 seria condenado a sete anos por homicídio e cinco por obstrução à justiça.

Estava desvendado o caso, reaberto graças às obras que o Blackburn fez no seu estádio. Campeão em 1994-95, o clube anda por estes dias longe da glória passada, a competir no terceiro escalão do futebol inglês. Mas o contributo para a justiça ninguém lhe tira.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

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