Gaia em risco de perder acesso a 3,4 milhões de euros de fundos europeus

Dinheiro destina-se a obra na escarpa no Douro, travada por contestação judicial do vencedor do concurso. Autarca atira-se ao Código da Contratação Pública, que a põe à mercê do ritmo dos tribunais.

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Enquanto a câmara se arrisca a perder apoios para a intervenção na escarpa, em relação ao BEI, que apoiou projectos energéticos e de mobilidade na cidade, irá devolver fundos Paulo Pimenta

A Câmara de Gaia corre o sério risco de não conseguir fazer a obra de consolidação de uma área da escarpa do Douro, entre as Pontes Luís I e a do Infante. A empreitada, de 3,5 milhões de euros mais IVA, tem garantido o seu financiamento através do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos, o POSEUR, mas concurso está bloqueado pela contestação judicial da empresa vencedora, e, com o prazo para o arranque dos trabalhos a terminar, o apoio europeu está prestes a cair por terra.

O presidente da Cãmara de Gaia explicou que o município recebeu por estes dias uma carta da equipa de gestão do POSEUR dando 30 dias para o arranque das obras, sob pena de ser cancelado o apoio financeiro a esta intervenção. Ao revelar esta situação, Eduardo Vítor atirou-se, como outros autarcas já fizeram, ao novo Código da Contratação Pública que está, insistiu, a tolher a capacidade de investimento das autarquias.

O concurso tinha sido ganho pela Soares da Costa que, no entanto, não conseguiu, pelas dificuldades financeiras que atravessa, entregar as obrigatórias garantias bancárias. O município atribuiu a empreitada ao segundo classificado mas viu o vencedor contestar a decisão em tribunal. O problema, explicou esta sexta-feira Eduardo Vítor Rodrigues, é que o novo código impede as autarquias de recorrer à figura jurídica da resolução fundamentada e avançar com a obra, o que a coloca à mercê do ritmo dos tribunais administrativos. Que não é compaginável, como se vê, com os prazos dos regulamentos das candidaturas a fundos europeus.

Sem financiamento comunitário, o município, admitiu, dificilmente consegue assumir a obra que deveria resolver um problema identificado há décadas. A intervenção abrange terrenos pertencentes ao Estado, onde até há poucos anos moravam várias famílias. Em Março de 2007, após mais um de vários relatórios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que assinalava “a necessidade de se tomarem medidas preventivas imediatas", o Governo Civil do Porto declarou o estado de alerta para a escarpa. Na sequência disso foram demolidas 56 construções ocupadas como habitação e assegurado o realojamento de 44 famílias.

Câmara devolve dinheiro ao BEI

Ao mesmo tempo que tenta resolver este problema com o POSEUR, a Câmara de Gaia assume a devolução, ao Banco Europeu de Investimentos de quase 188 mil euros de um total de 644 mil que recebera desde 2011 para apoio técnico à concretização de investimentos na área da eficiência energética. No contrato assinado com este organismo o município propunha-se utilizar um apoio de 930 mil euros para alavancar projectos de mais de 70 milhões de euros, até Janeiro de 2014 mas, mesmo com o prolongamento do programa por mais um ano, a despesa com projectos concretos ficou muito aquém do esperado e, depois de várias avaliações, o município vai devolver o apoio remanescente ao BEI.

A participação de Gaia no Elena, sigla para European Local Energy Assistance, foi anunciada com pompa, já em 2012, como uma peça fundamental para a preparação de investimentos transformadores na área da eficiência energética dos edifícios, iluminação e transportes públicos do concelho. O financiamento do BEI, que poderia, no limite, chegar aos 930 mil euros, permitiu à autarquia então liderada por Luís Filipe Menezes contratar uma equipa de consultores externos, que incluia o ex-presidente da Câmara do Porto, Nuno Cardoso, e que ficou incumbida de preparar os projectos de investimentos.

O contrato previa que, no mínimo, o apoio concedido desse origem a investimentos 25 vezes superiores - ou seja, de cerca de 23 milhões de euros - mas Gaia foi mais longe, e o município mostrou vontade de desenvolver iniciativas que envolviam cerca de 70 milhões de euros. O leque de intervenções era diverso, passando pela melhoria do desempenho energético de escolas, piscinas e pavilhões, pela mudança da iluminação pública e dos semáforos para a tecnologia LED e por mexidas na oferta de transporte público. No final de 2012, o município chegou mesmo a aprovar um plano de mobilidade que prometia “revolucionar” a cidade por via da construção de um monocarril, da criação de um serviço ecobus para a área central e histórica da cidade e de aplicações na web para partilha de automóveis e bicicletas.

Todo este plano, para o qual foram produzidos estudos, seria alavancado com empréstimos do próprio Banco Europeu de Investimento mas, quando o anterior executivo deu lugar à equipa liderada por Eduardo Vítor Rodrigues, no final de 2013, e a meses do fim do contrato, pouco tinha sido concretizado. Num relatório de Setembro desse ano, apontava-se para um investimento de 1,9 milhões de euros, sendo que apenas se encontravam “evidências da concretização efectiva” para um montante de 176,4 mil euros, valor que foi revisto para 120 mil, lê-se no memorando que acompanha a proposta de devolução de parte do financiamento ao BEI.

Esta consequência prevista no contrato entre as partes, e que a câmara de Gaia assume segunda-feira teve, desde 2014, vários episódios. Com um município endividado, e perante a perspectiva de ter de devolver 639 mil euros dos 644 mil recebidos, o executivo socialista pediu, e conseguiu, o prolongamento do contrato ELENA por mais um ano, de modo a tentar, nesse período, concretizar investimentos de 16,1 milhões de euros, valor 25 vezes superior ao do apoio recebido. Eduardo Vítor dispensou também a consultoria externa e passou o projecto para as mãos dos serviços municipais, poupando a despesa associada àquela prestação de serviços.

Terminado esse prazo, em Janeiro de 2015, a autarquia conseguira não usar mais verbas do ELENA e, face aos 644,2 mil euros recebidos, apresentava, num relatório, investimentos nas áreas previstas de quase 17 milhões de euros. Mas as partes demorararam a chegar a um acordo sobre a elegibilidade das despesas apresentadas, com o BEI a insistir que, na verdade, parte deles não era enquadrável no programa, exigindo, por isso a devolução de parte da verba.

Após uma negociação dura,  que se prolongou até ao final do ano passado, o banco dá como concretizados investimentos de 11,4 milhões de euros, que justificariam, assim, um apoio de 456,3 mil euros no âmbito do ELENA. Feitas as contas, sobram quase 188 mil euros que o município terá de devolver ainda este mês.

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