Município paga 200 mil euros por ano por quinta que ainda não usou

Inês Medeiros anunciou que vai remeter ao Ministério Público o contrato de arrendamento. O seu antecessor diz que intenção era acolher ali o espólio do pintor Rogério Ribeiro.

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Inês de Medeiros tentou denunciar o contrato, mas não o conseguiu fazer daniel rocha

O arrendamento de um imóvel pela Câmara de Almada, a particulares, por 200 mil euros por ano, está a provocar polémica entre o actual e o anterior executivos municipais. Inês de Medeiros diz que a casa nunca foi usada pelo município e vai remeter o contrato ao Ministério Público para averiguar se há “gestão danosa”.

O caso foi revelado por Inês de Medeiros durante a última assembleia municipal. “Se quer absolutamente um sinal de má gestão, ou de gestão menos rigorosa, eu terei todo o gosto em fazer-lhe chegar um contrato de aluguer [arrendamento] feito pelo anterior executivo, na ordem dos 200 mil euros ano, do edifício, uma casa particular, junto ao Koi Park, para não se sabe bem o quê”, atirou a autarca eleita pelo PS para um deputado municipal da CDU.

A autarca referiu que, em Janeiro, o novo executivo socialista tentou anular o contrato, de modo a não pagar a primeira prestação semestral deste ano, no valor de 100 mil euros, mas não o conseguiu, pelo que os pagamentos de rendas aos proprietários do imóvel somam já um total de 300 mil euros.

“Alguém me há-de explicar porque é que o Município de Almada alugou em 2016, por 200 mil euros ano, uma casa particular de que nunca pediu sequer a chave”, afirmou Inês Medeiros, referindo que “alegadamente” o espaço seria destinado a acolher o espólio de Rogério Ribeiro e uma bienal artística embora essas finalidades não constem do contrato.

Joaquim Judas (CDU), anterior presidente da autarquia confirmou ao PÚBLICO a celebração do contrato com os proprietários do imóvel, a família Alves e o Koi Park, mas justifica-o com o interesse municipal. “Trata-se de uma espaço de vários hectares, de grande qualidade paisagística, considerado um dos melhores jardins de Portugal, com óptimas acessibilidades à Ponte 25 de Abril, ao Centro-Sul e outras direcções do concelho, com ligação directa à auto-estrada, e situado numa zona de grande afluência de público, onde está o Fórum Almada, e com continuidade com o Parque da Paz”, disse o comunista.

O agora vereador explica que o espaço, a Quinta dos Espadeiros, se destinava a acolher o espólio de Rogério Ribeiro, que o município estava a negociar com a família do artista, e que o arrendamento foi uma “alternativa transitória" para a solução definitiva que seria a criação do Museu de Arte Contemporânea, com o nome do pintor, junto à Casa da Cerca, mas cujo custo de construção é de seis milhões de euros e demorará vários anos”.

“Pareceu-nos na altura ser necessário fazer esse contrato para criar condições para que o protocolo entre o município e a família pudesse ser concluído o mais rapidamente possível”, disse, defendendo que Almada tem “hipótese de vir a acolher o espólio, que é de grande valor artístico e de enorme interesse para o município”.

O espaço serviria também, ainda de acordo com o autarca comunista, para acolher a Bienal de Escultura de Almada que o município estava a organizar, tendo já criada, antes das eleições autárquicas, uma equipa de trabalho que incluía o escultor José Aurélio. O ex-presidente explica estar em causa um “contrato de arrendamento não habitacional, com prazo certo, e opção de compra em que o valor pago de rendas será descontado no preço de compra”. A quinta está avaliada em 9,5 milhões de euros.

De acordo com o autarca comunista, o anterior executivo tinha, em Setembro de 2017, o protocolo com a família do pintor Rogério Ribeiro “em fase de conclusão” pelo que, alerta, “era bom” que a actual presidente “tratasse seriamente” este caso e “se preocupasse” em fechar o acordo. Joaquim Judas lamenta que uma “questão que aconselha algum resguardo, por estar em fase negocial, seja colocada na praça pública de forma desadequada e incorrecta” e assegura que a CDU está “disponível para dar todos os esclarecimentos”.

Contrato não foi aprovado na câmara

O contrato de arrendamento, celebrado em nome do município em 2016, não foi aprovado em reunião de câmara. O vereador do PSD, Nuno Matias, disse ao PÚBLICO não ter conhecimento de que a decisão tenha sido levada ao executivo municipal e o anterior presidente confirma. “Não foi a reunião de câmara porque não fui informado pelos serviços dessa necessidade e porque estávamos convencidos, em 2016, de que o processo fosse mais rápido”, disse Joaquim Judas ao PÚBLICO.

Acabou por passar mais de um ano sem que o protocolo com a família do artista fosse assinado porque o “problema arrastava-se por razões diversas”, acrescenta o agora vereador da CDU. Mas “caminhava-se para um entendimento com a família que achou a ideia aceitável”, concluiu.

PSD quer acelerar auditoria

Na sequência desta polémica, os dois vereadores do PSD no executivo, com quem a maioria relativa do PS tem um acordo de governo do município, vão pedir maior rapidez na auditoria às contas municipais. “É um negócio com contornos pouco claros, que não foi aprovado em reunião de câmara e que não percebemos porque foi feito, se a autarquia nem utilizou o espaço”, diz Nuno Matias. Segundo o eleito do PSD, trata-se de “mais um negócio feito pelo anterior executivo que usou dinheiros públicos de forma pouco séria”.

Os eleitos social-democratas afirmam que “foi precisamente por causa deste género de coisas que o PSD propôs, logo no início do mandato, a realização de uma auditoria às contas municipais”.

Os dois vereadores vão agora, na reunião de câmara marcada para o próximo dia 21, pedir que seja “acelerado o calendário da auditoria”.

Os quatro vereadores da CDU eleitos em Almada, emitiram um comunicado, esta quarta-feira à tarde, onde basicamente repetem os esclarecimentos prestados por Joaquim Judas. “Importa sobretudo que, no quadro das reavaliações que se façam e das orientações que se tomem, o superior interesse do município seja defendido na salvaguarda e preservação do que pode vir a ser um muito importante e valioso património”, refere a nota assinada por Joaquim Judas, José Gonçalves, Amélia Pardal e António Matos.

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