Cinco lugares para dar o nó

Uma volta ao mundo com cinco paragens em alguns dos cenários e tradições que mais seduzem os noivos. De Ibiza a Antígua, de Imilchil a Porbandar, passando pela inevitável Las Vegas.

Foto
Sousa Ribeiro

Maud Frencken ajeita o cabelo que o vento teima em despentear, pousa o livro e olha em frente, deixando que as palavras lhe assomem aos lábios:

- Y ahora, como se dice en España, que se besen los novios.

Ele e ela ficam na dúvida. Não percebem. Depois, como que impelidos por uma força sobrenatural, beijam-se.

Ao fundo recorta-se a montanha mágica, Es Vedra, imponente; ao lado, aninhada, submissa, a pequena Es Vedranel. Os noivos beijam-se tendo como pano de fundo aquele cenário magnificente, sob aquele céu de um azul diáfano. O quadro, com as suas cores, magnetiza casais, com os seus horizontes vestidos de um tom rosado, como o anúncio de uma felicidade que tem, naquele dia, mais de eterno do que efémero.

Maud Frencken promove um brinde após autorizar um beijo. Mas Maud Frencken apenas está travestida de padre. Na verdade, ela trabalha numa agência de contabilidade. Umas semanas antes do casamento, por vezes meses, inicia um trabalho de pesquisa junto dos familiares dos noivos, destes mesmos, recolhendo um conjunto de histórias que, perante aquela moldura, tão romântica, tão sonhadora, inspira sorrisos quando um e outra, noivo e noiva, redescobrem um passado já esquecido, o primeiro encontro, as primeiras palavras, histórias que o tempo se vai encarregando de enterrar.

A beleza de Ibiza, exacerbada num dia especial, parece despertar sentimentos novos, o início de uma vida nova. Como se, de repente, na arca do tempo, agora aberta, despertasse um desejo de repensar a existência.

No momento em que se caminha, com um vestido até agora imaculadamente branco sobre as águas azuis de Cala d’Hort, tendo ainda Es Vedra no horizonte, o sol do final de tarde projectando-se  e mergulhando, a água saltando e dourando-se, banhada por aquele raio, mais vontade tem de se conhecer a ilha, como se alguns dos seus lugares, mais ou menos conhecidos, convidassem a um constante renovar de energia.

Muitos noivos, acabados de casar por Maud Frencken, sentem-se gratos por encontrar abrigo numa gruta tendo as águas cristalinas do mar como panorâmica, estendendo-se como um tapete. Bem no interior, há resquícios de um churrasco, carvão sobre as pedras escurecidas, um pescador dedilha nas cordas de uma viola que o noivo segura depois, sobre um rochedo sob o qual incidem os raios solares.  

A noiva tem um olhar sonhador. Para ela, não há mais do que a moldura imaginária que abraça o noivo.

A estrada, como uma serpente, sobe, até zonas mais montanhosas, desce depois, até um vale, coberto por esta altura, entre finais de Janeiro e os primeiros dias de Fevereiro, com as suas amendoeiras em flor, um mar delas, cheio de cor, de vida, um prenúncio da Primavera que soa a outro início de vida.

Santa Agnès. A fachada da igreja é tão branca como um vestido branco de uma noiva. Por vezes há festas tradicionais, os ibicencos vestem-se segundo a tradição, as carroças de cavalos, coloridas, passeiam-se por ali, o padre pousa os olhos no altar, nas leituras, a procissão sai, rompe pelo campo, por entre muros.

Aos noivos, sorridentes, agrada-lhes uma fotografia por entre o jogo de luzes e sombras das paredes brancas da igreja.

Quando o vale fica para trás, com as suas amendoeiras florindo, a estrada sobe para depois começar a descer, deixando ver vislumbres do mar, com a sua tonalidade azul, sobre a direita, o sol rompendo por entre os pinheiros, até que se chega a uma rotunda, uma capela à esquerda, nos dias de hoje um restaurante procurado por quem casa para uma noite romântica; para a direita o alcatrão, um desvio para a esquerda, outro para a direita, opto por este, até à entrada para um hostal que se descobre depois de uma curva cega, com vista para o mar — muitos entre aqueles que casam gostam de passar umas horas de uma vida nova contemplando as águas, as embarcações recortando-se contra aquele azul que empalidece, antecipando matizes dourados quando o dia termina e os noivos, apreciando o último suspiro do sol, acreditam que algo de novo está prestes a começar.

O sol mergulha. O horizonte parece uma ilusão.

Festival de Imilchil

- No ano seguinte, muitos pais regressam a Imilchil, encorajados, por um lado, temendo, pelo outro, mas sempre na ilusão de voltarem a ver as filhas. 

A ilusão é uma palavra que surge muitas vezes ligada ao casamento — e eu não aprecio repetir palavras.

Hassan Haadout personifica o humor, naquele jeito simples, com a cabeça curvada, como se dessa forma, em silêncio, sugerindo escutar, mais facilmente redescobrisse, no seu imaginário, memórias de Imilchil, Marrocos, e, a cada momento, a necessidade de manter a plateia que o ouve atenta, rindo.

- Só quando se chega a casa é que se percebe, muitas vezes, que acabámos de casar com uma mulher de bigode.

O Moussen (o festival) de Sidi Hmad Mghani, que marca o final do Outono e anuncia um Inverno frio, rigoroso e impiedoso, deixa-se envolver, com extrema doçura, pelos vales fertéis que se recortam contra montanhas mais carentes de água, em Midelt.

Foto
David Bathgate/Corbis Via Getty Images

A milhares de quilómetros, na Europa, na Ásia, um pouco por todo o lado, o Moussen é conhecido, desde a década de 1960, por ser ou ter como principal atractivo o festival dos casamentos.

O título desagrada às tribos ancestrais, que não se revêm nesta fórmula criada pelos governantes da época, de forma a atrair, há quase 60 anos, o turismo à província de Midelt.

Em Imilchil, àquela hora, sob um sol generoso, dois guardas vão anunciando o nome dos casais, candidatos a um registo de casamento. De um lado, junto à entrada do cubículo que oferece um contrato assinado, parece haver mais mulheres, misturadas com turistas; do outro, mais homens; há quem, por entre murmúrios, numa aldeia ou noutra, fale de uma recusa das autoridades competentes em passar um certificado atestando a celebração oficial do matrimónio — com a promessa de o obterem no Moussen, em Midelt, durante essas semanas que preenchem um tempo há muito aguardado.

Não para contrair matrimónio. Para beber da cultura, da identidade, da história destas gentes.

Há quem recorde o isolamento de algumas das aldeias da região para justificar, ainda que não vá provavelmente às origens, a afluência de casais em busca de um certificado, muito antes do aproveitamento dos políticos. Por entre os silêncios, rompidos à luz da chama de uma vela que cobre de sombras a parede de pedra, recebo um sorriso de aparente cumplicidade quando recordo histórias não tão antigas como isso que retratam o presidente da câmara de Er-Rachidia, pouco depois de muitas estradas da região serem alcatroadas, no papel de incentivador de casais em busca de um papel autenticado, no Moussen, no verdadeiro coração de Midelt.

São outras teses.

Uma mulher caminha à frente no momento em que uma nuvem cobre o sol. Aquele traje, com os seus padrões intrincados, pretende mostrar, se a memória não me falha, alguém que transporta os títulos de solteira e fértil.

Também se pode casar em Midelt.

Mas não com essas mulheres que carregam uma faixa negra onde deveriam cintilar os padrões intrincados.

As casadas.

O Moussen é, muito mais do que o festival dos casamentos, um festival no sentido mais amplo. Bassou Oujabbor, conhecido historiador de Imilchil, já por mais de uma vez admitiu que, antes de mais, trata-se de um evento religioso que presta tributo a Sidi Hmad Mghani, um santo local que se tornou célebre por dar a sua bênção em acordos políticos entre as tribos e em transacções comerciais no grande mercado criado para a ocasião.

No Moussen, depois do aspecto religioso, é o mercado que atrai todos os focos, com os seus pastores vendendo o gado, os representantes das diferentes tribos já estabelecidas na região negociando os seus textéis, os seus produtos agrícolas e artesanais.

Se a história não nos engana, há mais de quatro séculos que as tribos amazigh encontraram neste cruzamento de caminhos trilhados por nómadas um ponto de reunião.

A cultura amazigh penetra no território marroquino com força. As novas gerações, nascidas na região e com curso universitário obtido nas grandes cidades, estão de volta para preservar tradições, para substituírem o árabe, pelo menos em alguns sinais de trânsito, pelo Amazigh, para lutarem pelo que julgam serem os seus direitos, para promoverem a cultura da região.

performances de dança e de música, envolvendo homens e mulheres, num feliz casamento; há lugar para o teatro, para uma discussão entre duas mulheres, agora num casamento polígamo. Pelo meio do espectáculo, os homens atrás dos balcões dos talhos improvisados vendem carne grelhada e servem chá num gesto hospitaleiro.

Na cidade de Ghandi

Em Porbandar, onde nasceu Mahatma Ghandi, come-se muito — e bem — na véspera do casamento.

As vacas ainda se passeiam por ali àquela hora tardia. Não fazem parte da ementa.

Porbandar é uma cidade do Gujarat, na Índia, de onde também é nativo Sudama, amigo de Krishna.

Foto
Sousa Ribeiro

Na rua, dança-se.

Pela manhã do dia seguinte, é hora de preparativos, de o noivo sair para a rua, para se abrigar do sol inclemente num carro indiano restaurado com delicadeza. As mulheres, com os seus saris de múltiplas cores, de verde, de laranja, de rosa, de vermelho, acompanham o cortejo presidido pelo Ambassador, cuja janela traseira do lado direito exibe um Nilesh Chandulal sorridente; há danças espontâneas, movimento, toda uma atmosfera festiva que antecede o momento em que o homem recebe, a meio da manhã e perante os convidados, a mulher que supostamente será a sua até que a vida se esgote.

Os longos minutos que se seguem são de rituais: do fogo, da água; as mãos unem-se, a mulher baixa os olhos, numa atitude que mostra submissão, testemunha-se o acto solene perante os raios que se infiltram, da chama e do sol, subindo e descendo nos rostos, correndo pelas garrafas de refrigerante que circulam de mão em mão, passadas com delicadeza ao encontro das saliências da grade.

A cor, exacerbada pelo fogo que doura as faces dos noivos, aprisiona o olhar.

A cerimónia tem a capacidade, natural, de agarrar quem assiste, pelo menos pela primeira vez.

Não muito longe, para lá de uma rotunda onde um cigarro gigante descansa, apagado, sobre um cinzeiro, também de proporções inusitadas, convidando os fumadores a deixar de fumar, mais para lá ainda de uma rua comercial, encontra-se o museu que dedica o interior das suas paredes a uma parte significativa da vida de Gandhi.

Casar onde Gandhi nasceu.

O espaço é exíguo mas, ao mesmo tempo, acolhedor. Como a comida, servida nessa noite, difícil de igualar no sabor — naquela noite acho que aprendi a gostar de muitos entre tantos sabores da Índia.

A noiva continua cabisbaixa; amigos e família do noivo reúnem-se à volta dele, num amplexo que parece eterno e define fronteiras.

A distância tende a diminuir entre o casal à medida que o tempo, na sua marcha inexorável, avança.

O museu, avivando memórias esquecidas da vida de Gandhi, apresenta-se de forma tão humilde que só com grande generosidade merece o título que carrega — mas, e como viveu Gandhi, antes de uma existência de museu?

Ao final da tarde, quando o crepúsculo tinge a cidade, já com roupas ocidentalizadas, os convidados olham para a objectiva do repórter fotográfico, pouco mais desejando do que perpetuar aquele momento, no interior daquele hotel tantas vezes inacessível, na esperança de deter o tempo — será o tempo, também, uma ilusão?

Antígua está na moda

A Guatemala é um país cheio de cultura, com as suas ruínas maias e os seus edifícios coloniais em bom estado de preservação, e com um lago, Atitlán, que é considerado um dos mais cénicos do mundo. Não admira, por isso, que nos últimos anos seja tão procurado para a celebração de matrimónios, abrindo espaço para um número cada vez maior de empregos na área da organização de eventos. Mas muitas são as cerimónias que, embora cheias de pompa, nada têm a ver com as tradições guatemaltecas, herdadas ao longo de gerações.

Desde bem cedo que competia aos pais planearem o matrimónio, designando para o efeito um casamenteiro ou casamenteira, também conhecido por atanzahab, cujo primeiro passo consistia em verificar o horóscopo, de forma a assegurar-se de que não havia problema entre os deuses e as datas de nascimento, uma compatibilidade que também tinha de se estender ao nome dos noivos. Mas o papel do casamenteiro ou da casamenteira não se esgotava nestes procedimentos — também lhe era pedida a mediação em torno das negociações para pagar o dote matrimonial e para estabelecer um prazo (entre cinco e sete anos) em que o marido trabalharia para os seus sogros, na caça ou na agricultura.

Foto
Kobby Dagan WW Pics/ UIG Via Getty Images

Em algumas situações, havia lugar para uma cerimónia oficial, para a bênção do padre, enquanto os noivos rezavam aos deuses e os convidados esperavam pelo momento de entregar generosos presentes, logo seguido de um verdadeiro festim.

Nesse dia, os noivos vestiam trajes típicos.No dia seguinte tudo voltava à normalidade.

Em Antígua, essa é uma memória que vai ficando cada vez mais para trás, perdida no tempo. Mas os hotéis, como o de Santo Domingo (um antigo convento destruído por um terramoto em 1771, nesta cidade com as ruas empedradas, tão nostálgica, com vista para o vulcão de Água, situado a apenas dez quilómetros de distância, não param de receber chamadas telefónicas de casais à procura de uma data disponível para o casamento. No templo em ruínas do hotel, a um sábado, as paredes estão enfeitadas de cortinas brancas, a luz derrama-se por aqui e por acolá, há rostos apreensivos, costas que se voltam para ver entrar uma noiva com um rosto surpreendentemente triste.

É então que se escuta a marcha nupcial que Mendelsshon compôs, em 1842, para a ópera Sonho de uma noite de Verão e que, desde o casamento da filha da rainha Victoria, em 1858, se tornou popular para os casamentos de todo o mundo.

No momento em que saio, porque o meu nome não consta da lista de convidados, ainda ouço o padre perguntar:

- Promete serle fiel en lo próspero y en lo adverso, en la salud y en la enfermedad, amarla e respetarla todos los días de su vida?

Foto
George Rose/Getty Images

Casar em Las Vegas

Há quem a ame; há quem a deteste — mas ninguém lhe fica indiferente quando, mal o crepúsculo se anuncia, as luzes se acendem e todo aquele oásis no deserto de Nevada respira vida e energia. No Dia Mundial do Casamento, é incontornável não citar a capital mundial do casamento, Las Vegas, também a capital do pecado, onde o jogo, o espectáculo e o matrimónio se apresentam entre os mais rentáveis negócios desta cidade fundada nos primeiros anos do século passado.

Paul Newman e Joanne Woodward, Richard Gere e Cindy Crawford, Andre Agassi e Steffi Graf, Frank Sinatra e Mia Farrow — a lista de famosos que se casaram em Las Vegas é interminável, como parecem ser as suas avenidas tão salpicadas de capelas abertas para celebrações tradicionais ou temáticas (gladiadores, zombies, vampiros, personagens do Star Trek ou gangsters), tão distintas daquelas que se produziam já na terceira década do século XX. É nessa altura, em 1931, que o Nevada aprova novas leis sobre o casamento, desprovidas das burocracias que caracterizam outros estados. Em Las Vegas, a licença passava a ser obtida na hora, mediante a apresentação de uma fotografia e do pagamento de uma quantia — nenhum teste de sangue é exigido. E, uma vez na posse do documento, passado pelo Clark County Marriage Bureau, no número 201 da Clark Avenue (está aberto 365 dias por ano, das oito da manhã até à meia-noite), os casais têm um prazo de um ano para materializar a cerimónia.

A combinação entre as novas regras e o influxo de celebridades determinadas a dar o nó transformaram, em poucos anos, a cidade num dos lugares mais procurados por casais. Capelas como Hitching Post Wedding, já encerrada, e A Wee Kirk o’the Heather, mencionada por escritores como Evelyn Waugh e Thomas Pynchon e restaurada recentemente para testemunhar cerimónias mais intimistas, abriram as suas portas nos anos 1940 e logo outras se sucederam. Entre elas, a The Little Church of the West, no seu estilo gótico e quase em frente do enorme e famoso cartaz que dá as boas-vindas a Las Vegas, cenário do casamento de Elvis Presley e Ann Margaret no filme Viva Las Vegas.

Por esse tempo, na década de 1960, a indústria dos casamentos estava no auge (os números têm vindo a diminuir mas, ainda assim, situam-se próximos dos 80 mil por ano), outros templos (serão hoje mais de 50 espalhados pela cidade) tornavam-se também referência, como a Little White Wedding Chapel, com o seu célebre túnel do amor e escolhida por Britney Spears, em 2004, para casar com o seu amigo de infância Jason Allen Alexander (um casamento que durou 55 horas), ou a Chapel of the Flowers, onde teve lugar o matrimónio de Dennis Rodman e Carmen Electra (uma união que também terminou em poucos meses).

Conhecida por todos nos tempos que correm é a Graceland Wedding Chapel, a primeira a oficializar casamentos tendo Elvis Presley como padrinho. Os noivos chegam numa limusina e um sósia do cantor recebe-os num altar. Não tarda muito, está a cantar:

Love me tender,

Love me sweet,

Never let me go.

You have made my life complete,

And I love you so.

Sugerir correcção
Comentar