A morte assistida deixou de ser tabu

O Parlamento tem todas as condições para chegar a uma proposta de legislação consensual e digna, num contexto de serenidade política e sem exaltações ultramontanas.

A eutanásia (quando um médico administra um fármaco letal) e o suicídio assistido (quando é o próprio doente a adminstrar o fármaco) é um direito de cidadãos de vários países europeus e de vários estados norte-americanos. Em Portugal, nos últimos dois anos, cidadãos de diferentes partidos, ideologias e sectores da sociedade têm-se multiplicado em petições, manifestos e debates para exigir que esse mesmo direito seja reconhecido pela legislação nacional. O que começou por ser classificado como uma solitária e radical causa do BE é hoje defendida por outros partidos, com as proverbiais hesitações comunistas, que há muito que andam a discutir internamente se sim, se não ou se são precisos mais estudos, e a total oposição do CDS-PP.

O PAN já tinha apresentado o seu projecto de lei e o BE fê-lo ontem. O máximo que se pode dizer do projecto de lei bloquista é que é burocrático, por, entre outros cuidados, prever que os pedidos de antecipação da morte tenham de ser reiterados cinco vezes. Antes assim. O contrário seria leviano. É simples e inatacável o que diz João Semedo, um dos seus autores e ele próprio médico: a alteração legal não obriga ninguém a antecipar a sua morte, nem vai impedir ninguém de o fazer. Nem a objecção de consciência, seja de quem for, será violada. O que nele se defende é a “antecipação da morte por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável”. O que nele se defende não difere da proposta do PAN nem será muito diferente do que defenderá o PEV (que apresentará a sua proposta em breve) ou do PS (que ontem anunciou legislação própria para a despenalização da morte antecipada). Embora ainda não seja conhecida esta última, o PS não deixará o BE colher sozinho os louros de uma causa que já não é assim tão medonha no discurso político e muito menos na sociedade.

À direita, o PSD poderá hesitar, conceder liberdade de voto, mas não será totalmente contra — Rui Rio foi subscritor de um manifesto pelo direito a morrer com dignidade — e o CDS-PP ficará a barafustar sozinho. Daqui resulta que o Parlamento tem todas as condições para chegar a uma proposta de legislação consensual (o BE já se disponibilizou para correcções e “consensos alargados”) e digna, num contexto de serenidade política e sem exaltações ultramontanas. A morte assistida deixou de ser tabu no Parlamento.

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