Estrangeiros ganham cada vez mais peso nas SAD da I Liga

Modelo de financiamento dos clubes portugueses está a mudar rapidamente e os três emblemas que ainda não optaram pelo modelo das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) estão muito próximos de o fazer.

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O Rio Ave é um dos poucos clubes da I Liga que ainda não tem uma SAD LUSA/JOSE COELHO

A realidade não é nova, mas época após época vai ganhando dimensão em Portugal. A precisar de novas formas de financiamento, o futebol português encontrou na entrada de capital estrangeiro um dos caminhos preferenciais para se financiar e, a pouco e pouco, o mapa das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) das competições profissionais vai sendo preenchido com capitais vindos do exterior. Rio Ave, Tondela e Paços de Ferreira, os três clubes da I Liga que ainda se mantêm como Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ), sendo que os dois primeiros deverão em breve ficar sob o controlo de investidores estrangeiros. Luís Cassiano Neves, advogado com experiência na assessoria em negócios de compra e venda de SAD, considera que a cobiça pelos clubes nacionais é fácil de explicar: “Portugal é o mercado de excelência de entrada na Europa e o campeonato português é um dos que mais valoriza activos no mundo inteiro”.

Quando, em 2013-14, o regime das sociedades desportivas estabeleceu que todos os clubes de futebol que disputavam competições profissionais teriam, obrigatoriamente, que optar pelo modelo de SAD ou de SDUQ, os puristas defenderam esta última opção, alegando que era a única que permitia preservar a identidade e a integridade institucional dos clubes, uma vez que a titularidade do capital social continuaria a pertencer em exclusivo ao clube fundador. Nesta época, no entanto, na I Liga, apenas três equipas não são SAD e a sigla SDUQ parece condenada a desaparecer do dicionário do futebol português.

Dos três clubes que ainda resistem como SDUQ, o Rio Ave já terá acordo com a Fosun, grupo chinês que é dono da Fidelidade e o maior accionista do BCP, e que estará disposto a investir 10 milhões de euros nos vila-condenses, enquanto o Tondela em breve deverá passar a ser controlado por Lizhang Jiang, empresário chinês dono e presidente do grupo Desports, principal accionista do Granada, Parma e do Chongqing Dangdai. 

Quanto aos restantes 15 clubes da I Liga, já todos têm SAD constituídas e cinco deles (V. Guimarães, Feirense, Portimonense, Desp. Aves e Estoril) já estão nas mãos de estrangeiros. Luís Cassiano Neves diz ser expectável que a breve prazo este número aumente consideravelmente. Advogado da SAD do Cova da Piedade, clube detido em 90% pelo empresário chinês Kuong Chun Long, e antigo director geral da SAD do Belenenses, este jurista socorre-se do último Global Transfer Market Report (TMS) da FIFA, no qual é referido que os clubes portugueses lucraram em 2017 mais de 571 milhões de euros com a venda de jogadores, para explicar o interesse estrangeiro nos campeonatos portugueses.

“Através dos relatórios do TMS constata-se que Portugal é o campeonato que mais valoriza activos no mundo inteiro. Não tendo a capacidade financeira de outros para contratar jogadores já feitos, tem uma exigência física, táctica e técnica que o coloca muito próximo dos melhores.” Não tendo a visibilidade de Ligas como a belga ou a holandesa, Portugal tem “um campeonato muito competitivo, com treinadores altamente qualificados e exigência táctica e técnica superior”. “Recrutamos melhor e jogamos melhor. O que as equipas dos grandes campeonatos se apercebem, é que os jogadores que vinguem em Portugal têm uma probabilidade de vingar em Inglaterra, Espanha, Alemanha ou França. Para além disto, temos três ou quatro agentes que têm muita influência a nível mundial e temos uma relação histórica com o mercado brasileiro, que é um dos grandes abastecedores mundiais”, acrescenta.

Juntando a tudo isto “um quadro legal e regulamentar preparado para receber investimento privado no futebol”, Portugal torna-se no “mercado de excelência de entrada na Europa, o que torna atractiva a compra de SAD das duas Ligas profissionais. A possibilidade de valorização de activos é exponenciada nos campeonatos portugueses”.

Cassiano Neves considera, no entanto, que “pelo seu contexto social e desportivo”, será difícil a curto prazo considerar um cenário em que Benfica, FC Porto ou Sporting consigam “convencer as suas Assembleias Gerais a alienar uma parte maioritária do seu capital social”. Todavia, este advogado refere que “serão cada vez mais evidentes as limitações dos clubes portugueses em fazer face à concorrência dos melhores campeonatos europeus se não houver uma alteração na forma como os conteúdos do produto ‘futebol nacional’ são gerados e comercializados”.

“Estas questões estão na ordem do dia mas não serão resolvidas do dia para a noite. Sem esta alteração, a competitividade de todos os clubes nacionais - e não apenas dos mais pequenos - dependerá inevitavelmente, ou pelo menos em maior escala, do recurso a capital estrangeiro, sendo que a aquisição de partes sociais é apenas uma das formas de assegurar este objectivo”, conclui.

Texto corrigido: O Paços de Ferreira ainda se mantém como Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ).

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