Breitbartizando Centeno

Pois invejo Centeno: ele, com o crime contumaz de ir ver um jogo de futebol, só ontem tinha sete títulos e artigos a ocupar toda a abertura do nosso Breitbart.

Recomendo-vos uma passagem pelo Breitbart, aquele site que foi pilotado pelo célebre Steve Bannon e que agora navega com a tripulação que restou. Ontem, pois presumo que evoluirá muito no dia a dia, dava-nos imensas informações úteis, como um estudo sobre a relação entre os cocos e o Alzheimer, um esclarecimento, decerto final, sobre a “questão Jesus”, uma notícia sobre o automóvel da filha de Obama e outra sobre o meio de curar o cancro. Algumas coisas sobre restrições ao aborto ou o discurso da União, que Trump vai proferir pela primeira vez, e aqui está o “meio de comunicação” que é o modelo da agitação triunfante. O mundo tem um líder e o Breitbart é o seu profeta.

Ainda assim, talvez mesmo esta mistura de mundanidades, frivolidades e patetices seja insuficiente para nos preparar para perceber como surgiu o caso Centeno-na-Luz. Mas o espírito da coisa está lá. É preciso começar com uma aleivosia qualquer, a aparência de plausibilidade nem é muito importante, tudo se remenda com um bombardeamento de tweets se almas caridosas reproduzirem a “notícia”. Depois, faz-se uma manchete. Uma manchete dá outra manchete, é epidemia, espera-se mesmo que jornais de referência ou, sobretudo, as televisões sejam forçadas a ir atrás e pelo menos a convocarem um especialista sobre o assunto, no caso vertente um fiscalista para a conversa ser mais técnica e estratosférica. Instalada a conversa, a arte está em fazer logo outra notícia.

Basta portanto o Observador levantar a lebre, o Correio da Manhã fará capa e temos assunto televisivo. Depois, o Correio insinua, feito mosca, que o ministro disse ao Primeiro que se ia embora e faz outra manchete, e o Observador logo cita o Correio, em artigo pudicamente assinado anonimamente pela redacção, pois o ministro desmente, o Primeiro também. Maravilhoso: o desmentido é mais uma notícia, o que é preciso é bombar. Cristas faz cara de caso e não comenta, a não ser para descobrir placidamente que o caso “impacto positivo não terá”, o que é nova notícia no Observador mais perto de si. Balbuciam alguns conhecedores que afinal a isenção de IMI é a regra no caso daquele prédio e que, isento ou não isento, não é o ministro a decidir, que nem passa pelo vereador quanto mais pelo gabinete do Terreiro do Paço, pois que importa? Falta o favor, falta a regra contrariante, falta o costume, falta o técnico facilitante, falta tudo – mas há uma manchete, ou mais, se for o caso. E, como não há festa nem festança sem a Dona Constança, alguém no Ministério Público gosta da dança e avisa o Correio e o seu Observador que houve buscas à hora da missa, já imaginamos as sirenes da polícia de choque a entrarem pelo palácio, tudo encostado à parede como nos filmes, arromba-se o cofre e o paisano extrai, triunfante, a prova, o convite para a bola. Um convite? Um, não, dois convites, o catraio foi também, decerto para que o seu clubismo ingénuo fosse alibi do pérfido intuito do pai, meliante de gabarito internacional que já tem dado nas vistas, e não há uma Comissão de Protecção de Menores que impeça esta educação na senda do crime?

Temos caso, lá isso temos. Se não tivermos, também não é coisa demais, sempre temos manchetes. E eu, que ando triste com o enxovalho a que me submete o Observador, correntemente só exibe duas colunas de mexericos que denunciam o meu “delírio totalitário”, sendo um exemplo da “porta giratória” para as empresas e o “poder desmedido”, o que vão dizer os meus amigos, não fazes nada de jeito, já nem eles te ligam pevide, pois invejo Centeno: ele, com o crime contumaz de ir ver um jogo de futebol, só ontem tinha sete títulos e artigos a ocupar toda a abertura do nosso Breitbart.

Mário, da próxima vez também me convidas para a bola?

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