Fantasma da Autoeuropa pairou sobre as jornadas do CDS

Líder da bancada centrista deixou aviso a Rui Rio sobre descentralização.

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Nuno Magalhães Nuno Ferreira Santos

Os automóveis entram e saem nos grandes cargueiros atracados no porto. É o chamado Roll on e Roll off (Ro-Ro). No terminal Ro-Ro, do outro lado da vedação, estão centenas de volkswagens estacionados. São da Autoeuropa. Foi o primeiro e único avistamento dos deputados do CDS sobre o que é produzido na fábrica de Palmela, mas o conflito laboral naquela empresa haveria de pairar durante todo o primeiro dia de jornadas da bancada centrista.

Foi no porto de Setúbal - por onde os deputados e a líder do CDS circularam de minibus entre os muros de contentores – que se falou da fábrica de Palmela e também logo a seguir, numa visita a uma multinacional francesa que produz componentes para aviões. Numa sala, os deputados (faltaram meia-dúzia entre os 18 que compõem a bancada) ouviram a história da empresa que veio para Portugal em 2003. A Lauak prevê investir 30 milhões de euros numa nova unidade em Grândola – ainda só há maquetes no power point em francês – mas já se sabe que terá creche. O sublinhado do director-geral da Lauak, Armando Gomes, provocou alguns sorrisos contidos na sala, lembrando a polémica em torno do apoio da Segurança Social para as creches abrirem ao sábado para acolherem os filhos dos trabalhadores da Autoeuropa. Apoio que foi criticado pelo vice-presidente do CDS-PP Nuno Melo, durante o passado fim-de-semana.

Assunção Cristas, que acompanhou sempre os seus colegas deputados, aproveitou o primeiro dia das jornadas, dedicado à captação de investimento, para criticar o Governo por “faltar à palavra” sobre o investimento público previsto no Orçamento de 2017. Faltou cumprir 700 milhões face ao que estava previsto, aponta Assunção Cristas, atacando a política financeira, mas não o ministro. A líder do CDS preferiu não falar sobre o caso - que envolve bilhetes pedidos ao Benfica e uma isenção de IMI concedida aos filhos do presidente do clube da Luz - em que Mário Centeno está a ser investigado.

As perguntas dos jornalistas também andaram à volta da Autoeuropa e do conflito laboral em torno dos novos horários impostos pela administração para a produção do modelo T-Roc. Aí Cristas aproveitou para sublinhar a necessidade de “conciliar o trabalho e a família”. E em tom soft lembrou que há uns que estão de “boa-fé” e outros que fazem da Autoeuropa “o palco das disputas”. O retrocesso na produção teria impacto no porto de Setúbal e no país, sublinhou Cristas.

O CDS, aliás, não quer regionalizar a economia. E foi nesse sentido que o líder da bancada centrista, na sua primeira intervenção do dia, ao almoço, deixou um recado a Rui Rio, o líder eleito do PSD. Sem nunca se referir directamente a Rui Rio – que este fim-de-semana questionou, em declarações ao Expresso, a decisão da Google de instalar serviços em Lisboa –, o líder da bancada dos centristas defendeu que a “descentralização não é uma guerra Norte-Sul, que, aliás, está em desuso, nem uma guerra litoral-interior”.

Nuno Magalhães considerou que a descentralização é antes “uma guerra” para “combater o subdesenvolvimento em muitas áreas, as desigualdades e as assimetrias regionais”. Sem entrar em pormenores, o líder da bancada dos centristas defendeu a necessidade de um modelo de descentralização que permita “mais e melhores competências nas áreas que já existem”, mas “não para criar novos cargos nem criar jobs para os boys”. São recados para o bloco central, já que tanto PS e PSD têm previsto um reforço das estruturas locais.

Numa altura em que se volta a falar de entendimentos entre o Governo e o PSD, os centristas parecem não querer ficar de fora. “Estamos disponíveis para consensos para que assim aconteça nas áreas estruturantes”, afirmou Nuno Magalhães, depois de dizer que “caiu a máscara ao PS” e que o primeiro-ministro fala em “diálogo” mas a bancada socialista não age nesse sentido. O exemplo dado foi o da reforma florestal, cujas propostas baixaram à comissão sem votação, para que as divergências à esquerda permanecessem “discretas.”

A polémica da Autoeuropa voltaria a infiltrar-se nas jornadas do CDS ao final da tarde pela voz do líder da UGT, Carlos Silva, e pela do presidente da CIP, António Saraiva. “Há agitadores profissionais” nos representantes dos trabalhadores da Autoeuropa, apontou Carlos Silva, lembrando a “revolução de 1917”. Em jeito de aviso, o secretário-geral daquela central sindical afirmou que os trabalhadores devem ficar cientes de que “ou há estabilidade interna ou os administradores podem perder a paciência”, lembrando que há países interessados em acolher a empresa. Carlos Silva assume que “há uma tentativa de controlar a comissão de trabalhadores, e uma voz única”, e disse esperar que os trabalhadores “saibam reagir a esta pressão da esquerda radical”.

Na intervenção inicial, Carlos Silva começou por sair em defesa da Concertação Social, contrariando “artigos” que tem lido de figuras ligadas ao PCP e a própria postura da CGTP neste fórum, ao nunca ter subscrito qualquer acordo. “Se for para ir lá fazer propostas e não aceitar nada, deixo a pergunta: Para que é que serve a concertação? Nós estamos lá para o diálogo social”, afirmou.

As críticas à CGTP também se ouviram da boca do representante dos patrões. “A CGTP viu ali uma oportunidade, colocando um vírus na empresa”, afirmou António Saraiva, fazendo o contraste com a comissão de trabalhadores presidida por António Chora.

Os dois – e únicos - oradores do painel sobre captação de investimento e diálogo social coincidiram na ideia de que este Governo está a desvalorizar a concertação social e a levar as questões exclusivamente para os partidos e para o Parlamento. Ideias que foram ouvidas com agrado na plateia de democrata-cristãos.

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