Marin Alsop é a primeira maestrina a dirigir uma grande orquestra de Viena

Norte-americana chega ao "berço da clássica" depois de ter sido "a primeira mulher" em vários cargos no meio. Foi escolhida pelos músicos da Orquestra Sinfónica da Rádio de Viena e entra em funções em 2019, no 50.º aniversário da formação.

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Além de maestrina, Marin Alsop é também violinista. Com 61 anos, Já ocupou diversos cargos de responsabilidade em algumas das orquestras mais importantes do mundo Adriane White

A maestrina norte-americana Marin Alsop vai tornar-se na primeira mulher a dirigir uma orquestra de Viena quando ocupar, em 2019, a posição de maestro da Orquestra Sinfónica da Rádio de Viena. A profissional, um nome reconhecido no meio, é assim a primeira mulher a quebrar com o conhecido conservadorismo das mais importantes orquestras vienenses no que toca à igualdade.

O seu nome foi proposto pelos músicos e aceite pela gestora da rádio ORF (sigla no alemão original que resume o nome da rádio pública austríaca), Monika Eigensperger. A responsável anunciou o nome de Alsop em comunicado e comentou a sua satisfação pelo facto de a formação musical ter “pela primeira vez uma directora titular”. A Orquestra Sinfónica ORF de Viena despedir-se-á no próximo ano do seu actual maestro, Cornelius Meister, e assistirá ao regresso de Marin Alsop, que já actuou com a orquestra em 2014 quando gravaram obras de Leonard Bernstein, com quem estudou, e Gustav Mahler. Alsop tem 61 anos e é, além de maestrina, violinista e já ocupou variados cargos de responsabilidade em algumas das orquestras mais importantes do mundo.

Actualmente é directora musical da Orquestra Sinfónica de Baltimore (EUA) e ocupa o mesmo cargo na Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo (Brasil). A sua chegada a Baltimore foi também pioneira, visto que foi novamente a primeira mulher a ter tal cargo numa grande orquestra sinfónica norte-americana – estávamos em 2007. “Estou muito honrada por ser a primeira [mulher no cargo], mas também estou chocada com o facto de que neste ano e neste século ainda tenhamos de dizer que há ‘estreias de mulheres’” em cargos de grande responsabilidade, disse agora Alsop, citada pelo diário britânico The Guardian. Em 2013, fora a primeira mulher a dirigir o festival Last Night of the Proms, uma produção britânica que completava então 118 anos. Foi acompanhada no alinhamento do evento por mais quatro mulheres, sendo cinco o total feminino de um conjunto de 58 maestros.

em Viena, o mundo da clássica e suas formações musicais é reconhecidamente hermético no que toca à igualdade, não só em termos de paridade e género mas também na resistência à contratação de músicos não caucasianos, por exemplo. A importante Filarmónica de Viena só contratou e incluiu na sua formação permanente uma mulher pela primeira vez em 1997 – a harpista Anna Lelkes. Até então, e mesmo depois desse feito, eram evocados motivos como “a união emocional” da formação ou as dificuldades em lidar com as licenças de maternidade. Em 2005, Simone Young dirigiu-a pela primeira vez na história, mas numa actuação de ocasião.

No caso da orquestra da ORF, porém, são cerca de 30 as mulheres que integram a formação, entre as profissionais que se encontram no activo e aquelas que estão de licença ou em substituição de outras músicas que se encontram fora. Entre a sua longa lista de maestros convidados estão Simone Young ou Leonard Bernstein. Alsop vai trabalhar com os músicos em todas as frentes: temporadas de concertos, sessões para registos em CD ou DVD, produções de ópera, digressões e actuações ao vivo para a rádio.

Em comunicado, a maestrina diz-se “muito entusiasmada” com a perspectiva de trabalhar nos três anos seguintes com a Orquestra ORF no que chama "o berço da clássica". “Eles partilham o meu entusiasmo por uma expansão constante do repertório e pelo contacto com novos públicos”, disse, acrescentando: “Tocou-me muito que tenham sido os próprios músicos a dar o ímpeto para a contratação”. Cornelius Meister informou na mesma nota que doravante coordenará todo o seu trabalho com Alsop, que entrará em funções em pleno na temporada de 2019, em Setembro, e quando se assinalará o 50.º aniversário da orquestra.

Ao Guardian, que teve o exclusivo da ida de Alsop para Viena, a maestrina comentou ainda a importância do momento MeToo, resumo em hashtag de uma sucessão de notícias e activismo em torno do assédio sexual no local de trabalho e não só, dizendo temer que "seja uma inflamação efémera". Defende que é necessário "criar oportunidades para as mulheres proactivamente, para que tenham a experiência de que precisam e para que sejam vistas. E isso aplica-se às mulheres em todos os campos, de todas as cores, formas, tamanhos, idades, para que se possa tornar num movimento positivo que seja capaz de educar as mulheres e os homens e possamos avançar em termos de igualdade".

Marin Alsop estudou na Juilliard de Nova Iorque e na Universidade de Yale e é membro honorário da Royal Academy of Music e da Royal Philharmonic Society. Recebeu ao longo da sua carreira vários prémios Gramophone e vai manter-se na direcção de Baltimore até 2022 e tornar-se maestra honorária em São Paulo a partir de 2019, quando finda o seu contrato no Brasil. “A paisagem das orquestras mudou quase de um dia para o outro quando as audições começaram a ser feitas atrás de telas”, dizia ao Guardian em 2013 – as famosas “audições cegas”, em que os avaliadores não sabem quem presta provas, do seu género à sua etnia ou idade. Na sua primeira oportunidade para conduzir uma orquestra, Alsop, que estava no lugar certo à hora certa e ocupou o posto deixado vago por um colega ausente, ouviu de um dos músicos no final de uma semana de trabalho: “És muito boa. Nem nunca reparei que eras uma rapariga”. 

Concluiu, nessa mesma entrevista: “A única coisa que conta é um bom talento musical. Como sociedade falta-nos conforto ao ver mulheres nestes papéis que em última análise são papéis de autoridade.”

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