Adeptos da proposta de descentralização procuram-se

Em vésperas do congresso da Anafre, num debate organizado pela Área Metropolitana do Porto não se ouviu uma única voz a defender a proposta do Governo para as freguesias.

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A manutenção dos jardins é uma das competências que passará para as juntas Maria Joao Gala

As freguesias da Área Metropolitana do Porto não se revêem na proposta de descentralização de competências formulada pelo Governo. Seja pelo âmbito das atribuições que passam para a alçada das Juntas, pelo receio de não ver transferidos os recursos financeiros e humanos necessários para as executar ou pelo facto de a decisão de descentralizar continuar a ser, na prática, uma prerrogativa das Câmaras, o diploma não teve uma única voz que o defendesse num debate organizado esta segunda-feira e no qual participaram metade dos autarcas de freguesia da Área Metropolitana do Porto.

Se este debate servir de barómetro – e a discussão vai ser alargada já no próximo fim-de-semana, em Viseu, no congresso da Associação Nacional de Freguesias – o Governo vai ter de dar um passo atrás e mexer em aspectos essenciais da proposta que atirou para a mesa e que, explicou o investigador Pedro Mota e Costa, da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, comete o erro de transpor para o plano nacional a reforma levada a cabo no município de Lisboa. E se há algo que se pôde perceber no auditório do Conservatório de Música do Porto, no qual estiveram cerca de 80 autarcas, é que as realidades são muito díspares, e quase todas muito longínquas, em termos de capacidade da acção, do panorama na capital.

O investigador da Universidade do Minho vê paternalismo na proposta do Governo, e sugere que pudessem ser as partes – Juntas e Câmaras – a determinar, por negociação, o leque de competências a transferir para o patamar mais próximo das populações. Mas o autarca de Paranhos, no Porto,  lembrou que esta reforma implica também uma transferência de poder, nem sempre bem aceite pelos municípios. “As competências que nos querem dar são sempre aquelas que os municípios não querem exercer”, argumentou, afirmando-se desiludido com o que está a ser discutido, nesta fase.

Talvez houvesse alguém a favor da proposta. Mas se havia, não quis intervir. Todas as intervenções de autarcas, e foram mais de uma dezena, puseram em causa a eficácia de uma lei que lhes atira competências para o colo mas mantém nas câmaras o poder de decidir quais, e com que meios, são efectivamente executadas pelas Juntas. O presidente da Área Metropolitana do Porto e autarca de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, que vai propor, com o seu homólogo de Lisboa, que ao nível da descentralização do Estado Central para os municípios possam ser estes a decidir o âmbito e o ritmo das atribuições a incorporar na actividade municipal, concedeu que às Juntas não está a ser dado esse poder. Mas disse acreditar que, no final, se possa chegar a um modelo em que estas deixem de ser meros receptáculos das propostas das Câmaras.

A legislação em debate prevê que, na falta de um acordo entre um município e uma junta, a respectiva Assembleia de Freguesia possa aprovar uma proposta de transferência de competências e levá-la à Assembleia Municipal. É fácil de imaginar que, num concelho em que esta assembleia seja dominada por uma maioria adversa ao executivo municipal, uma proposta destas até poderia ser aprovada. Mas neste debate foi lembrado, por vários intervenientes, que isso de nada adiantaria, tendo em conta que as alterações ao orçamento municipal dependem do executivo e, sem o aval deste, seria impossível realizar as tarefas transferidas por falta do respectivo pacote financeiro.

Por isso, não faltou quem, como Marco Cunha, autarca de Vila Nova do Campo, Santo Tirso, considere que depois da “brincadeira” da Reforma Relvas, que em 2013 levou a extinção e fusão de freguesias, o actual Governo continue a “brincar” com estes autarcas, muitos dos quais, assinalou, trabalham em regime de “voluntariado”. “Vamos continuar a ser meros departamentos técnicos das câmaras”, desabafou este autarca,  que, como os restantes, ouviu o representante distrital do Porto da Anafre, Dário Silva, prometer que será porta voz destas críticas no congresso daquela organização.

O debate desta segunda-feira foi organizado pela AMP, que não tutela as freguesias, mas a iniciativa da equipa liderada por Eduardo Vítor Rodrigues – um ex-autarca numa freguesia de Gaia – foi bem acolhida. O líder da Área Metropolitana quer incorporar na contraproposta de reforma que está a elaborar com Lisboa contributos para o patamar mais próximo das populações. E uma das exigências passará por ver garantido, na lei, a atribuição de um envelope financeiro para que todas as juntas consigam assegurar um patamar mínimo de funcionamento e serviço diário às respectivas populações. Algo que hoje uma boa parte delas não consegue cumprir. 

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