Os sinais das directas

Os políticos não têm que dizer o que as pessoas pensam — têm que pôr as pessoas a pensar no que eles defendem. Rui Rio foi mais convincente numas do que noutras, mas foi fiel às suas convicções.

1. Rui Rio venceu bem. A sua vitória não foi esmagadora (54% é o que é), mas foi suficiente para virar uma página no partido — o “passismo” estava quase todo com Santana — e afastar riscos de uma divisão imediata.

2. Mas Rio venceu bem por outra razão: porque ousou fazer uma campanha interna dizendo o que pensava com invulgar clareza — mesmo quando não eram coisas simpáticas à primeira vista. Foi assim na Justiça, criticando (a meu ver injustamente) a ineficácia da Justiça; também nas pensões (onde arriscou propor uma variação do seu valor de acordo com o ciclo económico); e, sobretudo, na disponibilidade para apoiar um Governo do PS se vier a perder as legislativas. Talvez este seja o sinal mais interessante a reter das directas: é que os políticos não têm que dizer o que as pessoas pensam — têm que pôr as pessoas a pensar no que eles defendem. Rui Rio foi mais convincente numas do que noutras, mas foi fiel às suas convicções.

3. O líder eleito do PSD teve outro mérito: conseguiu passar por três meses de campanha a preservar margem de manobra. A sua moção de estratégia é irmã de Ivone Silva ("com um simples vestido preto, eu nunca me comprometo", lembra-se?); e as suas parcas ideias foram sempre condicionadas à ideia de que só a partir da eleição se começaria a construir um programa.

4. Tudo isto torna claro que o PSD escolheu um líder novo passando-lhe um cheque em branco. De Rui Rio não conhecemos uma estratégia, uma diferenciação. E ficamos com dúvidas, até, sobre a consistência de um pensamento.

5. O maior desafio de Rui Rio é, por isso, o do relógio que tem no pulso. É que a actualidade não vai esperar pelo congresso — e o PSD não pode perder mais tempo, nem para Costa, nem para Cristas. Durante o próximo mês, Rio e Santana vão ter que coordenar posições sobre o Montepio, sobre a Uber (que Rio diz não ser “estrutural”, o que é um erro), alojamento local, cannabis medicinal, descentralização — temas em que os jornalistas vão pedir respostas e que o PS aproveitará como convier. Logo depois, terá que ser rápido e coerente sobre a reforma da zona euro, os próximos fundos europeus, a reforma do combate aos incêndios, tudo o que o destino do país ditar. São demasiadas questões estruturais para um líder que não tem um programa.

6. Verdade que a noite de sábado lhe deu tempo, mas não lhe deu descanso. Em oito eleições directas, o PSD só ganhou um primeiro-ministro. E a mobilização deste sábado ficou longe daquela em que, em 2010, Passos virou um ciclo. Os militantes viraram uma página conscientes, mas não confiantes. Cabe a Rui Rio provar-lhes que estão errados — em ano e meio, não em dois anos.

Sugerir correcção
Comentar