O tempo dos leigos

A participação dos leigos começa por parecer um problema da organização diária da Igreja e acaba por espelhar tensões mais profundas.

Desde o Vaticano II, ou seja, há mais de meio século, que a Igreja Católica abriu a porta para a participação dos leigos nas celebrações litúrgicas. Essa abertura acompanhava a evolução do pensamento teológico e reagia à falta de clero que já se sentia na altura.

Foi preciso chegar ao Código de Direito Canónico de 1983 para tal passar a “norma”. O livro que regula toda a vida da Igreja “recomenda vivamente” que, na ausência de um padre, os leigos façam a chamada celebração da palavra. Não faz distinção entre homens ou mulheres, casados, divorciados ou recasados ou gays. Prevê ainda que o bispo diocesano possa indicar outro lugar de oração para o efeito que não o templo.

João Paulo II voltou ao assunto cinco anos mais tarde para dizer que os leigos são tão responsáveis como os clérigos pela vida da Igreja, o que designou por “co-responsabilidade laical”. E Portugal começou a adoptar esta prática litúrgica, uma espécie de “missa sem padre”, na década seguinte pela mesma razão: falta de clero.

Apesar de mais de meio século passado, apesar da participação dos leigos estar oficialmente consagrada, apesar de a falta de clero se sentir cada vez mais, é surpreendente que o assunto continue quase experimental e que a própria hierarquia da Igreja não lhe dê grande atenção, quando a solução encontrada parece óbvia e fiel às origens da própria Igreja. 

Oito em cada dez portugueses são católicos — o seu número terá subido ligeiramente desde a chegada de Francisco — e quase metade vai à missa. Tudo isto para um total de 4377 paróquias e 3040 padres.

Faltando padres para “pregar em tanta freguesia”, voltamos à questão que talvez não seja assim tão intrigante. Tudo poderá não ser mais do que o medo de perder o poder por parte de quem se ache investido de uma autoridade, a autoridade de celebrar missa. Por outro lado, uma vez aberta a porta aos leigos, será inevitável chocar de frente com os problemas há séculos adiados, especialmente o do papel da mulher na Igreja, não mais podendo fechar-lhe a porta ou pôr uns calços para empatar.

A participação dos leigos começa por parecer um problema da organização diária da Igreja e acaba por espelhar tensões mais profundas. Se demorar tanto tempo a levar este assunto a sério quanto o que demora para se adequar aos grandes desafios de hoje, é bem provável que lhe passem a faltar cristãos, mesmo que lhe restem uns padres.

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