Segurança e volatilidade

A defesa não é uma preocupação militarista de pessoas doentiamente agressivas. A defesa é uma necessidade básica.

Ao longo dos séculos e dos milénios, as nações do mundo habituaram-se a interpretar a sua segurança e a sua defesa como algo que decorria de serem atacados por forças armadas externas. O conceito de defesa era, por conseguinte, assente na resposta militar. As duas guerras mundiais do século passado e a Guerra Fria acentuaram a noção de que as ameaças graves são as militares e de que, consequentemente, a proteção dos estados tem que ser militar. Mas o mundo mudou imenso nas últimas décadas e mudará muitíssimo mais nas próximas. Olhemos alguns aspetos destas novas realidades.

Após a 2.ª Guerra Mundial, o mundo presenciou o nascimento das Nações Unidas, cujo objetivo central era o de evitar que a humanidade voltasse a confrontar-se com situações de guerra. Contudo, desde que a ONU foi constituída, morreram em conflitos armados mais de 40 milhões de seres humanos. A ONU presta um importante serviço em muitos domínios mas é um semi-desastre na sua missão de evitar guerras e de, quando elas surgem, intervir para as terminar. Abundam os comoventes discursos mediáticos de apelo à paz, mas estes disfarçam a genuína ineficiência. Sob a égide das Nações Unidas o mundo assistiu a horrores como os do Camboja, do Congo, da Bósnia, da Libéria, do Darfur, do Biafra ou do Ruanda, da Síria, da Líbia, do Iémen, por exemplo. Em Srebrenica, na Bósnia, as tropas da ONU nada fizeram para salvar do genocídio populações que se encontravam formalmente sob proteção da própria organização. No Ruanda, mulheres, homens e crianças foram, vivos, cortados em pedaços a poucos metros de soldados da ONU, sem que eles mexessem um dedo para os salvar. Da sede da ONU, em Nova Iorque, viera uma ordem nesse sentido, de ignorar e abandonar os civis ao subsequente massacre.

Acresce que uma substancial parte dos conflitos armados é agora composta por guerras civis, não por lutas entre países, o que indicia a necessidade de, para defender populações, se realizarem intervenções armadas externas.

Num mundo em que nenhuma entidade acima das nações as protege efetivamente, logicamente todos os países reconhecem que carecem de meios de defesa das suas populações. A defesa não é uma preocupação militarista de pessoas doentiamente agressivas. A defesa é uma necessidade básica.

Os portugueses interiorizaram que as guerras são inerentes a regiões longínquas e pobres. Esquecem que a 2.ª Guerra Mundial foi essencialmente uma guerra civil europeia, provocada por europeus. Foi a Europa que criou campos de concentração e câmaras de gás para assassinar famílias e populações inteiras. Foi a Europa que arrastou o mundo para o fosso da guerra. Quem imagina que tal situação nunca mais poderá ocorrer está equivocado. Pode, sim. A Europa caminha para épocas de grande tensão e fragilidade social e foram momentos deste tipo que precederam a 2.ª Guerra Mundial. Alguns estão a impor à Europa humilhações nacionais e a forçar todos, antidemocraticamente, a modelos de futuro que os cidadãos não decidiram. Mas outros fatores poderão, no futuro, semear também gravíssimas clivagens neste nosso continente.

O Islão, que engloba quase um quarto da humanidade, representa uma comunidade maioritariamente pacífica que, todavia, não consegue evitar a existência de uma minoria patologicamente agressiva, que entende deter o dever divino de forçar toda a população mundial à conversão ao Islão, bem como o dever de matar os “infiéis” do mundo (o que nos inclui). Só uma minoria assim pensa, mas uma minoria no seio de 1,6 mil milhões de muçulmanos equivale a um elevado número absoluto. No entanto, os atentados praticados pela Al-Qaeda em 11 de Setembro de 2001 foram praticados por um insignificante grupo de 19 terroristas, sem qualquer arma de fogo ou explosivo. A capacidade de destruição passou dos grandes exércitos para os cidadãos em qualquer região do planeta.

Mesmo alguma tecnologia militar está, em larga medida, fora de controlo, contrariamente ao que sucedia durante a Guerra Fria. Por exemplo, o mundo não enfrenta um risco significativo pelo facto de os Estados Unidos e a Rússia possuírem mais de 13.000 armas nucleares, mas está em aterrador risco com a existência de armas nucleares em países como o Paquistão, ou a possibilidade de uma única ser detida por um grupo terrorista. O terrorismo nuclear ou usando armas químicas e biológicas será uma mera questão de tempo.

Os portugueses poderão presumir que todos estes dramas se produzem bem longe. No entanto, os acontecimentos que transformaram rapidamente o Irão, de país amigo para uma ameaça regional e global, poderão também um dia operar-se perto de nós, em países do Norte de África. Radicais islâmicos têm exatamente essa estratégia. Sublinhe-se que, para além de Madrid, as capitais mais próximas de Portugal são de países árabes do Norte de África.

A ciberguerra desmaterializa as distâncias e pode paralisar as infraestruturas e as defesas de um país, a partir de um ponto longínquo do planeta. O crime transnacional está interligado com o terrorismo e o tráfico de droga. O tráfico ilícito transnacional, de droga e outros produtos (inclusive seres humanos), é um negócio estimado em valores superiores ao PIB de Portugal. Guerras são travadas e mantidas por esses motivos. Num mundo em que a população cresce explosivamente e em que as matérias-primas, o petróleo, a água e as terras aráveis são recursos finitos, guerras gravíssimas poderão eclodir no futuro.

Neste contexto, imaginar que a defesa e a segurança nacional são abstrações desnecessárias pode, na verdade, constituir uma ameaça para a segurança desta geração e da que se seguirá.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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