Guerras perdidas

Uma das guerras das quais desisto é antiga: é a guerra para chamar chá só à bebida feita com a única planta de chá que existe no universo.

Um dos grandes prazeres da velhice é desistir. Não é só que uma pessoa deixa de gostar de perder batalha após batalha. É poder alegremente virar as costas à guerra inteira.

As pessoas mais inteligentes até aprendem a desistir enquanto são novas, poupando-se anos de chatices. Há crianças que, vendo-se numa situação ridícula de medição de forças, descobrem intuitivamente o enorme poder de dizer "está bem, desisto. És mais forte, reconheço, leva a taça. Até logo, que eu tenho mais que fazer".

Não é desistir só porque se pensa que já não se vai ganhar a guerra. É desistir saudavelmente enquanto ainda se tem a ilusão de poder ganhá-la, caso tivéssemos pachorra para isso. E não é para escolher outras guerras para ocupar o tempo que se gastava com a anterior. Não, é só para poupar tempo e nervos e sonhos.

Uma das guerras das quais desisto é antiga: é a guerra para, à semelhança do que acontece com o café, o sumo de laranja, o capilé e o cacau, chamar chá só à bebida feita com a única planta de chá que existe no universo, a camellia sinensis. As bebidas feitas com outras plantas são tisanas ou infusões. Um chá não é uma maneira de fazer uma bebida com água. Um chá não pode ser de tília, nem de limão, nem de hortelã. Um chá só pode ser feito, por definição, com chá, seja ele cru, verde, branco, preto, fumado, chinês ou micaelense. Se um chá não tem chá não se pode chamar chá.

Ou então pode-se, quero lá saber. O povo diz chá de malvas e é o povo que manda na língua. Raios o partam.

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