No tempo de Malcolm Allison, o City queria ir até Marte

Muitas décadas antes dos milhões de Abu Dhabi e de Guardiola, os “citizens” foram protagonistas de um improvável domínio do futebol inglês e com uma conquista europeia pelo meio.

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Malcolm Allison quando treinava o Manchester City by Evening Standard/Getty Images

Por esta altura, o título de campeão inglês para o Manchester City parece uma inevitabilidade. A Liga dos Campeões também não andará muito longe, e também parece estar em processo adiantado a mutação definitiva de clube para corporação multinacional. Resumindo, está em marcha um plano do City para dominar o mundo. Mas, muitas décadas antes dos milhões de Abu Dhabi e do futebol esteta de Pep Guardiola, houve um período em que o Manchester City iria ser o primeiro clube de futebol a chegar a Marte. Quem fez esta projecção? O treinador do chapéu, do charuto e do champanhe que foi fotografado com uma actriz porno numa banheira de hidromassagem, um inovador excêntrico chamado Malcolm Allison.

Em toda a sua história, o Manchester City tem apenas quatro títulos de campeão, dois deles (2012 e 2014) conquistados depois da entrada do xeque Mansour no clube em 2008. O primeiro foi em 1937 – no ano seguinte, o City desceu de divisão, depois veio a guerra e o City só voltou a jogar no primeiro escalão em 1947. Avancemos até 1965, em que o City estava de novo na segunda divisão, e o Manchester United era o campeão em título. Entra em cena uma dupla de treinadores, o veterano e fisicamente debilitado por um AVC Joe Mercer, e o jovem lobo com ideias diferentes Malcolm Allison. Mercer era o “manager”, Allison era o “coach”, e juntos levaram o City às maiores conquistas da sua história (sem contar com a última década).

Há um livro que ficcionaliza os anos de ouro de Mercer e Allison no City chamado “The Worst of Friends” e que diz que Allison foi parar a Manchester porque se tinha envolvido com a mulher do presidente do seu anterior clube, o Plymouth – uma ficção até bastante verosímil de acordo com a vida de Allison, que contava um episódio dos seus tempos de jogador, um encontro amoroso com a mulher de um dirigente, e que esta telefonou ao marido para o informar que tinha passado “a tarde na cama com Malcolm Allison”. Allison era um pensador de futebol e um inovador, um treinador que não se sentava no banco (que não era assim tão habitual em Inglaterra) e que fez questão de decorar os nomes e as caras de todos os jogadores do City logo no primeiro dia de trabalho em Maine Road.

Nesta altura, o City amargava na segunda divisão, mas Allison já previa grandes coisas. Nos seus primeiros tempos, foi convidado por Matt Busby, o histórico treinador do Manchester United, para um jantar dos “red devils” e mereceu uma palavra amável do rival – “treinador jovem que vai conquistar muitas coisas”. Allison foi menos diplomático, “Matt, baby, bem podes apostar nisso”. A primeira época de Mercer e Allison conduziu os “blues” de Manchester ao primeiro lugar e ao regresso à primeira divisão (que ainda não se chamava Premier League). O primeiro objectivo estava cumprido, agora era estabilizar no primeiro escalão e continuar a olhar para cima.

Na segunda época com a dupla (1966-67), o City ficou em 15.º lugar e via o rival de Old Trafford ser campeão. A época seguinte não começou nada bem, com cinco derrotas nas 11 primeiras jornadas, incluindo um desaire caseiro com o United, mas a forma da equipa estabilizou e, inesperadamente, entrou na luta pelo título. A discussão foi até à última jornada e seria com o United. Os “blues” iam a St. James Park defrontar o Newcastle, os “red devils” recebiam o Sunderland. Mercer tinha lançado o desafio. “Vai-me dar muito gozo ir no domingo de manhã a Old Trafford buscar a taça.”

O City foi mesmo campeão no último dia, ganhando por 4-3, enquanto o United não resistiu ao Sunderland e perdeu por 2-1. Nesse mesmo dia, Allison fez a seguinte previsão: “Não há limite para o que esta equipa pode alcançar. Vamos ganhar a Taça dos Campeões. O futebol europeu está cheio de cobardes e vamos aterroriza-los com a força do nosso futebol ofensivo. E acho que vamos ser a primeira equipa a jogar em Marte.” O United, por seu lado, teve uma bela consolação duas semanas depois, conquistando o seu primeiro título europeu numa final em Londres frente ao Benfica.

A previsão de Allison viria a cumprir-se, mas não na época seguinte. Logo na primeira eliminatória, o City não conseguiu meter medo ao Fenerbahçe, campeão turco. No campeonato, também não fez uma época espectacular (13.º), mas salvaram-se as taças, com o triunfo na Charity Shield (6-1 ao West Bromwich) e na FA Cup (1-0 ao Leicester City), ganhando assim um lugar na Taça das Taças da época seguinte. Depois de duas eliminatórias relativamente tranquilas com Athletic Bilbau e Lierse, teve muitas dificuldades quando apanhou a Académica de Coimbra pela frente nos quartos-de-final – 0-0 em Coimbra na primeira mão e 1-0 em Manchester, com um golo no último minuto do prolongamento. Depois, os “citizens” despacharam facilmente o Schalke 04 e, na final de Viena, bateram os polacos do Gornik Zarbre.

Foi o mais alto que o City de Mercer e Allison conseguiu chegar. Com a promessa de ser promovido a técnico principal, Allison terá recusado um convite da Juventus, mas Mercer foi ficando e a relação entre os dois deteriorou-se. Em 1972, sem que o City tivesse conquistado mais títulos, Allison ganhou a luta pelo poder, enquanto Mercer saia para o Coventry. Allison nem ao fim da época chegou, demitindo-se em Março, e só voltaria a ser campeão em 1982, numa época em que ganhou tudo em Portugal como treinador do Sporting, o último clube onde teve sucesso como treinador.

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