O eterno fascínio da música de Bach num concerto natalício

Um especial destaque vai para a meio-soprano Marianne Beate Kielland pela beleza do timbre, elegância de fraseados, clareza da dicção e eloquência retórica.

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Marianne Beate Kielland Lena Lahti

Quatro das seis Cantatas que constituem a Oratória de Natal, de J. S. Bach, mais concretamente as nºs I, II, V e VI,  preencheram o tradicional concerto anual alusivo a esta quadra, organizado pela Fundação Gulbenkian e dirigido por Michel Corboz. A longa duração do ciclo completo faz com que se opte na maior parte das vezes por uma selecção das Cantatas a apresentar num único concerto. Com efeito, na sua origem — ou seja no contexto do calendário luterano do século XVIII e da Igreja de São Tomás de Leipzig, onde Bach trabalhava na época de composição da obra (1734)— estas também não eram interpretadas de seguida, mas sim em seis ocasiões festivas diferentes desde o dia de Natal até ao dia da Epifania (6 de Janeiro). Apesar de no seu conjunto formarem um arco narrativo coerente, é igualmente legítimo apresentá-las de forma independente.

Na Oratória de Natal, construída em parte a partir de material musical de outras obras que Bach recria de forma engenhosa, encontramos alguma da mais exaltante música do grande compositor alemão. Quer nos corais mais estritos e intimistas, de escrita homofónica, quer nos coros mais exuberantes e contrapontísticos, o Coro Gulbenkian teve como é habitual um desempenho de elevado nível, constituíndo um motor essencial da obra.

No que diz respeito aos solistas, com a excepção da soprano María Cristina Kiehr (cantora com uma carreira notável e uma das grandes referências no âmbito da música antiga, mas que infelizmente demonstrou vários sinais de desgaste vocal), os restantes cantores protagonizaram vários pontos altos da interpretação. Um especial destaque vai para a meio-soprano Marianne Beate Kielland pela beleza do timbre, elegância de fraseados, clareza da dicção e eloquência retórica.

Também o tenor Tilman Lichdi, a quem cabe o papel de Evangelista, mas também passagens de exigente virtuosismo (como na ária Frohe Hirten na qual comparte sinuosos melismas com a flauta) pôs em evidência uma voz luminosa, destreza técnica e grande poder expressivo. Por sua vez, o baixo Peter Harvey confirmou os créditos da sua longa experiência no âmbito do repertório bachiano.

Quer para os intérpretes, quer para o público, a música de Bach é sempre fonte de um eterno fascínio, partilhado pelo maestro Michel Corboz que sempre demonstrou uma forte afinidade com este compositor. No entanto, se no plano vocal

 o Coro Gulbenkian teve óptimas intervenções e os solistas demonstraram forte sintonia com o universo estético do compositor, no campo instrumental algumas dimensões da arquitectura musical perderam-se por vezes numa massa sonora compacta (por exemplo logo no festivo e imponente andamento de abertura da Cantata I).

Mesmo com uma orquestra moderna e com um efectivo coral bem maior do que o usado no tempo de Bach seria possível uma  abordagem mais minuciosa face aos princípios estilísticos da música barroca no que diz respeito aos detalhes de articulação, fraseados e principalmente à transparência das texturas instrumentais. Ainda assim, os resultados variaram ao longo do concerto e melhoraram com o decorrer da obra, atingindo na Cantata V apreciável clareza e equilíbrio dos planos sonoros. Também os vários solos instrumentais foram bem sucedidos, com destaque para os oboés, para os sugestivos e elaborados diálogos da flauta e do violino com a voz (respectivamente na já referida ária Frohe Hirten da Cantata II e no trio Ach, wenn wird die Zeit erscheinen da Cantata V) e para o brilho incisivo dos trompetes.

 

 

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