A salvação nos pés de um guarda-redes

Golos marcados por quem tem a responsabilidade de evitá-los não são uma raridade no futebol. No Carlisle United um guarda-redes ficou na história por isso

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Jimmy Glass, com a camisola vermelha DR

A estreia do Benevento na Liga italiana tornou-se assunto pela sequência de derrotas (14 consecutivas), mas o emblema estreante conquistou o primeiro ponto da sua história em grande estilo. O guarda-redes Alberto Brignoli foi à área adversária e estabeleceu o 2-2 final frente ao Milan, um feito que foi celebrado efusivamente. Foi um golo de um guarda-redes e valeu um ponto, mas já houve guardiões a marcar golos com muito mais importância para os respectivos clubes. E não necessariamente nos maiores palcos do futebol mundial.

Há casos de guarda-redes goleadores em série (nomes como Rogério Ceni ou José Luis Chilavert vêm rapidamente à memória) pela frieza na marcação de livres ou grandes penalidades. Há os guarda-redes que marcam de baliza a baliza, tirando partido da distracção alheia ou do vento que possa fazer-se sentir. E há os heróis do último minuto, que vão até junto da baliza adversária em desespero de causa. É nesta categoria que se enquadra Jimmy Glass.

Era o dia 8 de Maio de 1999 e o Carlisle United lutava por manter-se no quarto escalão do futebol inglês, o mais baixo dentro das competições profissionais. Não haveria mais oportunidades, estava-se na derradeira jornada e o clube precisava de vencer o Plymouth para não descer aos escalões amadores. A jogar em casa, o emblema do norte de Inglaterra viu-se a perder no início da segunda parte, mas conseguiu restabelecer a igualdade aos 62’. Só que isso não bastava, era preciso ganhar. Os minutos esgotavam-se e a esperança ia escasseando.

Passaram cinco minutos do tempo de compensação e o Carlisle United precisava de um herói. Jimmy Glass disse presente. Chegado ao clube algumas semanas antes, proveniente do Swindon Town num empréstimo de curta duração, o guarda-redes de 25 anos foi o obreiro do milagre que garantiu a manutenção. O último lance da partida seria um canto a favor do Carlisle United. “Olhei para o treinador, que me fez sinal para eu subir à área contrária. Era a decisão, tudo ia definir-se naquele último remate”, recordava Glass, em 2013, à BBC. Após um ressalto, a bola ficou para Glass, que de pé direito estoirou para o fundo da baliza. O Carlisle estava salvo e nascia um herói.

A euforia dos adeptos confundia-se com o alívio dos jogadores. Ao jogo seguiu-se um jantar de celebração e os festejos entraram pela noite dentro. Mas Glass, o herói, até foi bastante contido: “Toda a gente estava muito calma no restaurante. Seria de prever grandes celebrações, mas na verdade a ansiedade emocional tinha dado cabo de toda a gente. Fomos a um clube nocturno e aquilo entrou em erupção. Fui puxado, agarrado, beijado. Estive lá meia hora e depois esgueirei-me pela porta das traseiras e fui para a cama”, contou o guarda-redes.

Ao contrário do que Jimmy Glass poderia esperar, o golo não foi o início de algo melhor na sua carreira. O Carlisle United ainda equacionou contratá-lo a título definitivo, mas o negócio não se concretizou porque o clube não quis satisfazer o pedido de aumento salarial do guarda-redes. Glass continuou sem conseguir fixar-se em lado nenhum e terminaria a carreira aos 27 anos. Escreveu um livro, trabalhou como vendedor e depois conduziu um táxi.

“É duro que uns consigam fama e fortuna e outros acabem a conduzir táxis e a viver uma vida normal, como eu. Não é fácil perceber qual é o teu lugar na vida, seres aquele tipo que nunca será esquecido e ao mesmo tempo seres o tipo que se preocupa com as contas para pagar”, admitiu o herói do Carlisle United à BBC: “Uma vez, num parque de diversões nos EUA, senti alguém tocar-me no ombro e dizerem-me: ‘És o Jimmy Glass’. O golo é uma parte incrível da minha vida e irei desfrutar dele até que toda a gente se farte.”

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

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