Sementes lançadas por aviões geram pastos em terrenos queimados

Ambientalistas dizem que estabilização dos solos depois dos incêndios está, finalmente, a ser feita no tempo certo. Sementes são lançadas de avião em zonas íngremes onde vão crescer os pastos que vão evitar o arrastamento das terras com as primeiras chuvas.

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LUSA/NUNO ANDRÉ FERREIRA
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Milhares de sementes foram lançadas de avião, na manhã desta quarta-feira, numa iniciativa inédita em Portugal para a estabilização dos solos queimados pelos incêndios. Neste primeiro voo feito pela aeronave, um Dromader M-18 que descolou do aeródromo de Viseu, foram lançadas sementes de gramíneas e leguminosas (1500 quilos) em terrenos no concelho de Mangualde.

Esta prática, uma iniciativa de várias organizações não governamentais, está a ser testada e, numa primeira fase, vai ainda ser estendida a outros municípios. O objectivo é criar pastos que ajudem a reduzir a erosão dos solos, principalmente em terrenos íngremes que foram devastados pelas chamas. Espera-se que os solos estejam cobertos daqui a um mês com vários tipos de ervas e trevos.

“O que acontece a seguir aos incêndios é que o solo fica nu e a terra calcinada, alterada nas suas propriedades físico-químicas, na sua estrutura. A terra fica muito mais solta e mais susceptível de ser arrastada pelas chuvadas. Por isso é que estas acções de emergência são tão necessárias e só fazem sentido nesta altura antes de as chuvas arrastarem os solos. Não faz qualquer sentido estar a fazer as acções de estabilização de emergência no próximo ano”, garantiu João Branco, presidente da Quercus, a associação ambiental que se juntou a este projecto que partiu de uma iniciativa da Take C’Air Crew Volunteers e da Replantar Portugal.

Acção feita no “tempo certo”

Para o ambientalista, e também engenheiro florestal, este tipo de acção está a ser feita, pela primeira vez, no tempo certo. “Infelizmente em anos anteriores, e por vários governos, nós vimos deitar muito dinheiro fora a fazer estabilização de emergência que era feita um ou dois anos após ocorrer o incêndio”, lamentou.

João Branco disse ainda que só numa segunda fase do projecto é que serão lançadas sementes florestais, aquelas que vão criar raiz.

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O projecto Semear Portugal por Via Aérea partiu da sociedade civil e está a ser “atentamente” seguido pelo Governo para atestar da sua viabilidade no futuro. O secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, Miguel Freitas, também esteve no aeródromo de Viseu nesta quarta-feira e anunciou que o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) vai avaliar os resultados desta nova prática.

“Não podemos partir para estender uma técnica que não dominamos e que não conhecemos os seus resultados para o país inteiro. Havendo estas iniciativas, cabe-nos agora avaliar e acompanhar, juntamente com as entidades envolvidas”, sublinhou.

Também o governante admitiu que pela primeira vez está a “fazer-se tudo no tempo certo”. “No ano passado, houve incêndios e só se fez estabilização de emergência a partir de Março deste ano. É a primeira vez que estamos a fazer tudo no tempo certo”, sustentou Miguel Freitas.

O projecto Semear Portugal por Via Aérea é uma iniciativa da organização não governamental para o desenvolvimento Take C'Air Crew Volunteers e conta com a participação do movimento cívico Replantar Portugal. Os voluntários ligados à aviação civil e à ecologia vão reflorestar áreas queimadas íngremes de Mangualde, Gouveia, Oliveira do Hospital, Nelas, Tondela e Seia. As sementes foram doadas e o único custo, segundo Patrícia Lucas, da Take C’Air Crew Volunteers, é o do combustível das aeronaves que é repartido pelos municípios envolvidos.

Intervenções sem efeito prático

Iniciativas como esta, porém, não reúnem consenso. “Não tem efeito prático” e a ser feita deveria ser logo após os incêndios. “O sistema radicular, ou seja o que resta das árvores e dos matos abaixo da superfície, já está a segurar o solo. As ervas que vão nascer não o vão segurar de certeza e se forem arbustos vão demorar muito mais tempo a germinar e a criar raízes”, começa por esclarecer Paulo Fernandes, professor no Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

Segundo o especialista, a vegetação que está abaixo da superfície já está a fazer esse trabalho de regeneração. Para a técnica ser eficaz, adianta, a sementeira deveria ter sido feita logo imediatamente após os incêndios.

“Cada caso é um caso e este tipo de sementeiras recomenda-se fazer em situações mais extremas, em declives mais acentuados, quando em causa estão ameaças à segurança ou situações em que há recursos aquíferos que devem ser salvaguardados (albufeiras, etc), mas isto são casos pontuais. Seja como for, deveria ter sido logo imediatamente após os fogos. Por acaso não choveu muito”, alertou.

O professor da UTAD recorda que esta técnica foi muito utilizada nos Estados Unidos da América mas acabou por ser abandonada. “Este tipo de intervenções, como por exemplo a reflorestação, são mais feitas, na realidade, pelo voluntarismo, pela vontade de se fazer alguma coisa, do que propriamente por terem um efeito prático”, concluiu.

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