Revitalizar o Serviço Nacional de Saúde

Existem problemas organizacionais que dificultam a melhoria da eficiência do SNS.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) reuniu ao longo de quase 40 anos um largo consenso sobre a sua importância social e económica e sobre os resultados obtidos em ganhos em saúde para a população. Apesar da sua fragilidade jurídico-institucional e de várias ações que, na prática, contribuíram para o seu definhamento, o SNS sobrevive pela conjugação de dois fatores: a vontade da população que o financia, defende e utiliza e o empenho, dedicação e labor dos seus profissionais. O SNS é um instrumento decisivo de solidariedade, de promoção da saúde e bem-estar, de produção de riqueza e de coesão social neste país.

A Lei do SNS (Lei n.º 56/79) deu lugar à Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90), em vigor há 27 anos. O SNS passou a ser regido pelo DL n.º 11/93, de 15 de janeiro. Ainda hoje carece de identidade jurídica própria, sendo mais um agregado de instituições sem governação unificada, estável, inspiradora e enquadradora. Tem oscilado entre um polo mercantilista e um polo de consciência social solidária. Ainda assim, produz resultados notáveis.

A situação de subfinanciamento crónico foi agravada pelo impacto das medidas impostas pela troika, que levaram a que no ranking da OCDE Portugal baixasse pontos no valor das despesas públicas em Saúde e aumentasse a parte paga pelos utentes, que é das mais altas da Europa [1]. Nos últimos anos registam-se dificuldades para o financiamento da renovação dos equipamentos hospitalares e de novas tecnologias emergentes no SNS. Houve degradação da motivação dos profissionais, com passagem de elevado número para o sector privado e emigração para o estrangeiro, agravando-se nalguns serviços do SNS as graves deficiências em pessoal técnico especializado.

Paralelamente ao definhamento do SNS cresceu o setor privado lucrativo com construção ou expansão de grandes unidades, e quase desaparecimento das pequenas unidades, dos laboratórios de proximidade e dos pequenos consultórios e centros de enfermagem. O setor é hoje dominado por grandes grupos financeiros, a maioria deles de capital estrangeiro. A ADSE, entidade financiada pelos descontos no vencimento dos funcionários públicos e pensionistas, transformou-se no grande financiador acrítico dos grupos privados.

Apesar de alguns indicadores e rankings colocarem o SNS em posições interessantes, existem problemas organizacionais que dificultam o desenvolvimento e a melhoria da eficiência do SNS. O SNS é um património de todos e deve ser próximo daqueles que são a sua principal razão de existência, os cidadãos. A maioria das estruturas de participação dos cidadãos não estão operacionais, havendo afastamento da decisão das comunidades locais.

Nos últimos anos iniciaram-se importantes reformas no SNS, nomeadamente nos cuidados de saúde primários e nos cuidados continuados. Porém, o enquadramento do SNS no âmbito da administração pública comum tem entravado a prossecução destas reformas. É necessário superar o emaranhado jurídico, organizacional e gestionário atual associado às instituições do SNS e das que a ele deveriam pertencer (caso do INEM). Se nada se alterar é previsível que nem no ano 2030 as reformas em curso estejam concluídas. O SNS tem especificidades quando ao tipo de serviços que presta, à qualificação técnico-científica dos seus profissionais e à apresentação de resultados mensuráveis.

O artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra um requisito que ainda está por concretizar e que é o de o SNS dever ter uma “gestão descentralizada e participada”. Impõe-se, portanto, por uma questão de consciência social e de cidadania responsável, repensar e revitalizar o SNS, aprofundando um debate que conduza a ações para salvaguardar as funções do SNS na sociedade portuguesa. Propõem-se como perguntas:

- Como dotar o SNS de personalidade institucional, jurídica e organizacional singular, com uma governação unificada e integradora — uma instituição pública de natureza específica e especial?

- Como reforçar o papel e o poder do cidadão no SNS? Como concretizar o requisito constitucional de uma gestão descentralizada e participada — permitindo uma arquitetura de financiamento e uma gestão de recursos mais inteligente e sensível às necessidades das pessoas e das comunidades?

- Como desenvolver uma cultura de literacia e de capacitação para proteção e promoção da saúde, bem como de gestão de percursos e de garantia de respostas adequadas às necessidades de cada pessoa em cada situação e momento?

Para revitalizar o SNS, este deve ser visto como um todo. Requer-se uma coordenação singular, unificada e integradora de todas as áreas atualmente em transformação. De igual modo parece inelutável um novo modelo de participação, de envolvimento e de mobilização dos cidadãos e dos recursos comunitários em torno da reorganização e do desenvolvimento do seu SNS. As questões relacionadas com a “navegabilidade” dos doentes no SNS são também questões que exigem uma resposta mais adequada. Membros da Administração da Fundação Saúde – SNS

[1] OCDE, Health at a Glance 2016

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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