O Exército está acima dos deputados?

O Exército, que não conseguiu guardar o paiol de Tancos, agora blindou o escrutínio aos seus erros. E os deputados, ao que parece, acham bem.

O roubo de Tancos foi há quase cinco meses. Já se encontraram as armas, até se encontraram mais munições do que o Exército achava que tinha. Mas continuamos sem saber nada do que falhou para que o roubo tivesse acontecido.

Agora é pior ainda. Ao fim de cinco meses de segredo, ao fim de dezenas de pedidos, o Exército teve a bondade de entregar ao Parlamento um conjunto de documentos. Mas classificou-os como “confidenciais”. Pelo que, obedientemente, a Assembleia guardou os documentos num cofre, devidamente afastado dos partidos. As regras são para levar a sério: só um deputado por partido pode ter-lhes acesso; os outros, que fizerem muita questão, terão que fazer um requerimento — e logo se vê se têm sorte na resposta. Anote bem: o Exército, que não conseguiu guardar o paiol de Tancos, agora blindou o escrutínio aos seus erros.

E os deputados, ao que parece, acham bem. Mas aflitos com o embaraço pediram ao presidente da Assembleia que lhes fizesse um manual para saberem como lidar com documentos classificados. Nem nas comissões de inquérito a bancos se tinham lembrado desta. Por que será?

Em Tancos, nada do que aconteceu é normal (e ainda sabemos pouco): o sistema de videovigilância estava avariado há cinco anos; as rondas de militares não eram regulares e os militares que a faziam não transportavam munições nas armas; uma das viaturas usadas para as rondas estava avariada havia dias e uma boa parte das redes de protecção dos paióis estava decrépita e era facilmente violável. Descoberto o roubo, o paiol foi desactivado, mas ninguém assume a culpa nem ninguém sabia de nada. As armas foram encontradas, os processos de averiguação foram concluídos, mas os documentos são classificados e os deputados têm que fazer requerimentos se quiserem fazer perguntas.

E o Governo, no meio disto? Azeredo Lopes ficou feliz com as armas encontradas — e mais descansado porque, afinal, foi mesmo um roubo e não uma trafulhice no paiol. Pediu reforço de normas para proteger os paióis, um controlo de material militar sensível, obras nos quartéis e a qualificação de militares. Mas não pediu responsabilidades a ninguém, nem pediu contas aos chefes militares. Na prática, fez como o Solnado — chegou à porta e perguntou: aqui é que é a guerra?

A parte boa é que o Presidente já deixou um aviso: ele, Marcelo, tem memória de elefante. É quando dá vontade de perguntar: e os documentos, Sr. Presidente? Viu-os? Ou tem que fazer um requerimento para os pedir?

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