Pressionado pelo Exército, Mugabe resiste ao exílio inevitável

As negociações estão a ser mediadas pela África do Sul. Militares querem saída imediata do ainda Presidente e a formação de um governo de unidade nacional até às eleições de 2018.

Foto
Reuters/PHILIMON BULAWAYO

A porta para que Robert Mugabe abandone a sala do trono a partir de onde governou o Zimbabwe durante os últimos 37 anos está escancarada: falta apenas que o nonagenário decida como a quer atravessar.

A grande dúvida resumia-se, ao final do segundo dia de prisão domiciliária, ao destino imediato de Mugabe e da sua mulher, Grace. O Presidente e os militares, com mediação sul-africana, discutiam na noite desta quinta-feira os últimos pormenores da demissão do único líder que o Zimbabwe conheceu desde a independência em 1980. Fontes próximas das negociações descreviam o processo como estando num “impasse”, mas o jornal estatal Herald publicou fotografias de Mugabe sorridente, sentado à mesa com o líder dos revoltosos, o general Constantino Chiwenga, e alguns ministros.

Mesmo debilitado fisicamente – e agora politicamente – como nunca antes, Mugabe mantém-se um osso duro de roer. O Le Monde cita fontes próximas das negociações que o descrevem como “duro”, “intratável” e a apresentar “condições inaceitáveis”. Jornalistas locais dizem que tudo não passa de uma tentativa para ganhar tempo para negociar uma viagem segura para um exílio.

O destino mais natural seria a África do Sul, onde Mugabe é ainda muito bem visto por ser considerado um apoiante da luta contra o apartheid. Porém, a imunidade diplomática da sua mulher está em risco por causa de uma queixa apresentada por uma modelo sul-africana que diz ter sido agredida por Grace, explica a BBC. As alternativas poderiam ser a Malásia ou Singapura, onde o casal dispõe de algumas propriedades.

Nas ruas de Harare, a situação é bem menos tensa, relatam correspondentes na capital do país. O Exército montou uma série de postos de controlo no centro da cidade e os soldados têm revistado vários veículos, sem qualquer sinal de hostilidade. “A situação está bastante aceitável porque as pessoas estão a regressar ao trabalho”, diz à AP Clinton Mandioper, residente em Harare.

Desde a noite de terça-feira que Mugabe e o seu círculo mais próximo estão detidos por um grupo de militares na sua mansão na capital do país, conhecida como Casa Azul. Para além da residência, foi também ocupada a sede da televisão e instalados checkpoints em várias ruas da cidade, bloqueando, por exemplo, o acesso ao Parlamento.

Porém, os militares negam tratar-se de um golpe, mas sim de uma forma de afastar os “criminosos” posicionados junto de Mugabe que acusam de estar a tentar tomar o poder, aproveitando a fragilidade do ditador de 93 anos. A detenção de Mugabe é o culminar de uma crise política que se vinha a desenrolar nos dias anteriores, desde que o Presidente afastou o seu “número dois”, Emmerson Mnangangwa, visto por muitos como um dos membros mais influentes do Governo e um forte candidato a chegar à presidência.

A sua principal rival era Grace Mugabe, que nos últimos anos subiu vários degraus na hierarquia do ZANU-PF, o partido no poder, e construiu uma facção interna composta sobretudo pelos militantes das gerações mais novas. O afastamento de Mnangangwa representou o ponto de viragem no cálculo do Exército que se virou contra o próprio Presidente para travar aquilo que diz ser uma “purga” contra os veteranos da “guerra da libertação”, entre os quais o ex-vice-presidente.

Sem apoios

Em menos de 48 horas, Mugabe viu como as estruturas de poder que montou à sua volta nas últimas décadas permaneceram quietas, sem saírem em seu socorro, parecendo apenas aguardar a sua queda, de preferência sem sangue derramado. A polícia, por exemplo, muito conotada com o Presidente, segundo a Reuters, permaneceu ao lado dos militares.

Durante as negociações com os militares, Mugabe terá insistido em manter-se no cargo até ao final do seu mandato, que termina no próximo ano, disse à Reuters uma fonte próxima do Presidente. Porém, o Exército quer a sua saída imediata e a formação de um governo de unidade nacional, muito provavelmente liderado por Mnangangwa, que deverá estar em funções até às próximas eleições.

A oposição ao regime de Mugabe mostra-se disponível para integrar uma solução de compromisso para garantir a estabilidade do país. “É urgente que regressemos à democracia”, disse à BBC um dos líderes oposicionistas, Tendai Biti. O ex-ministro disse estar disposto a participar num governo de transição desde que o líder do Movimento pela Mudança Democrática, Morgan Tsvangirai, um dos principais rostos da contestação a Mugabe, também fosse integrado. Tsvangirai, que regressou na quarta-feira do Reino Unido, onde estava a ser tratado a um cancro, pediu a demissão de Mugabe "pelo interesse do povo".

Todos parecem estar a redobrar esforços para que a transferência de poder ocorra com o mínimo de perturbação. O padre Fidelis Mukonori, amigo de longa data da família de Mugabe e, segundo a imprensa local, considerado uma espécie de “líder espiritual” do próprio Presidente, foi enviado para mediar as conversações. Durante o dia, uma comitiva em representação do Governo sul-africano também foi recebida na Casa Azul.

O papel da África do Sul

A grande prioridade para a África do Sul, onde milhões de zimbabweanos procuraram refúgio depois do colapso económico de 2008, é garantir a estabilidade do país vizinho, com ou sem Mugabe no poder. No entanto, é igualmente importante garantir que a possível saída de Mugabe não seja enquadrada como um golpe de Estado para evitar um “contágio” pela região. “Pedimos respeito pela Constituição, um regresso à ordem constitucional e nunca iremos aceitar um golpe de Estado militar”, afirmou o líder da União Africana, Alpha Conde, durante uma conferência de imprensa.

A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, um organismo regional que junta 15 países, reuniu de emergência no Botswana, mas apenas concordou na necessidade de realizar uma cimeira de chefes de Estado. Apesar de calma neste momento, o quadro político no Zimbabwe requer um tratamento de pinças e é o próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, a reconhecer tratar-se de uma “situação confusa”.

“Nunca gosto de ver os militares envolvidos na política, mas tenho que reconhecer que esta é uma situação confusa. Espero, mais do que tudo, que não haja derramamento de sangue e que isto se desenrole de forma pacífica”, disse Guterres em entrevista à BBC.

Sugerir correcção
Comentar